sábado, 31 de dezembro de 2011

FELIZ 2012

sábado, 5 de novembro de 2011

AMOR LIQUIDO

O título do livro do sociólogo polonês Zigmunt Bauman é sugestivo e, sobretudo, apropriado para um sentimento que não se submete docilmente a definições. Professor emérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, ele tem vários livros traduzidos para o português, e o tema recorrente em sua obra são os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade. A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios. É preciso deixar claro que Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Não há como assegurar conforto num encontro de amor, nem garantias de invulnerabilidade diante das apostas perdidas, nunca houve. Quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas. A área de estudo principal de Bauman é a sociologia, o campo do pensamento que vai ser o ponto de partida e o foco fundamental do retrato sobre a urgência de viver um relacionamento plenamente satisfatório dos cidadãos pós-modernos. Digamos que as dificuldades vividas por um casal refletem o estilo que uma comunidade mais ampla estabelece como padrão aceitável de relacionamento entre seus vizinhos, entre os que habitam um espaço comum. Bauman é realista. Sabe que “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social”. Portanto, partindo do seu campo específico de estudo, ele faz uma radiografia das agruras sofridas pelos homens e mulheres que têm que estabelecer suas parcerias no mundo globalizado. Mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, em constante e frenético movimento. Em seus livros anteriores, já traduzidos e disponíveis para o leitor brasileiro, Bauman defende a idéia de que esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da modernidade. A globalização, palavra onde estão contidos os prós e os contras da vida contemporânea e suas conseqüências políticas e sociais, pode ser um conceito meio difuso, mas ninguém fica imune aos seus efeitos. A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores; são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação. O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso. A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão. Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”. Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo. A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa. O mais recente título do sociólogo polonês, que recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, pelo livro Modernidade e Holocausto), e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra), é uma leitura precisa e eloqüente, um convite a uma reflexão aberta não apenas aos estudantes e interessados em trabalhos acadêmicos. O seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como as estruturas sociais e econômicas dos tempos atuais, tentam dar conta da complexidade do amor que, com a permissão de citá-lo mais uma vez, é “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”. Nota do Editor Ensaio gentilmente cedido pela autora. Publicado no caderno "Fim de Semana", da Gazeta Mercantil, em 31 de julho de 2004. http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=123&titulo=A_fragilidade_dos_lacos_humanos

Proposta estabelece competência exclusiva para ensinar sociologia

A Câmara analisa o Projeto de Lei 1446/11, do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que estabelece a competência exclusiva para o ensino da Sociologia aos licenciados em Sociologia, Sociologia Política ou Ciências Sociais. A proposta altera a Lei 6.888/80, que dispõe sobre a profissão de sociólogo. Segundo o autor do projeto, como a lei não previu exclusividade para o sociólogo no ensino da disciplina, outros profissionais tem tomado esse espaço tanto no ensino médio como no superior. “Por possuir uma formação mínima de quatro anos dedicados às Ciências Sociais, o professor mais adequado para o ensino da Sociologia não pode ser outro senão o próprio sociólogo”, afirmou Alencar. De acordo com ele, a proposta quer assegurar a qualidade das disciplinas de Sociologia. Tramitação A proposta será analisada conclusivamente pelas comissões de Educação e Cultura; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Projeto de Lei de igual teor (4781/09) do ex-deputado Mario Heringer, tramitou apensado ao Projeto de Lei 4780/09. Ambos foram aprovados pela Comissão de Educação e Cultura antes de serem arquivados ao final da legislatura. http://opopular.com.br/cmlink/o-popular/editorias/geral/proposta-estabelece-compet%C3%AAncia-exclusiva-para-ensinar-sociologia-1.56031

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Seminário sobre vulnerabilidade de jovens com deficiência aos maus-tratos

20 de setembro de 2011 | por VIA BLOG | Categoria(s): AGENDA Data: 29 de setembro de 2011 No dia 29 de setembro será realizado o Seminário “Crianças e adolescentes com deficiência em situação de violência: invisíveis e vulneráveis”, promovido pelo Ambulatório de Adolescentes e pelo Programa Saúde e Brincar do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). O evento é fruto da pesquisa “Crianças e adolescentes com deficiência em situação de violência: uma análise da notificação de maus-tratos nos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, que está em fase de desenvolvimento e recebe financiamento do Fundo Nacional da Saúde (FNS) do Ministério da Saúde. O encontro ocorrerá das 8h às 17h, no Scorial Rio Hotel, na Rua Bento Lisboa, nº 155, Flamengo, Rio de Janeiro. Serão oferecidas 150 vagas. As inscrições são gratuitas. Para se inscrever, envie e-mail para pesquisa.adolescente@iff.fiocruz.br, até o dia 22 de setembro. Seminário “Crianças e adolescentes com deficiência em situação de violência: invisíveis e vulneráveis” Cidade: Rio de Janeiro/RJ Data: 29 de setembro de 2011 Horário: Das 8h às 17h Local: Scorial Rio Hotel Endereço: Rua Bento Lisboa, nº 155 – Flamengo Informações: pesquisa.adolescente@iff.fiocruz.br Inscrições: Até dia 22 de setembro pelo e-mail pesquisa.adolescente@iff.fiocruz.br Realização: Programação: 08h às 8h45 – Entrega de material/ café da manhã 8h45h – Mesa de Abertura 9h30 – 10h20 – Conferência – Retratos da Deficiência no Brasil – Hessia Guilhermo (FGV) 10h30 – 11h – Palestra – Violação de direitos- conceito- Suely Deslandes (IFF/Fiocruz) 11h – 11h30 – Palestra – Fatores de vulnerabilidade e suas relações com deficiências e outras condições crônicas de saúde – Olga Maria Bastos (IFF/Fiocruz) 11h30 – 12h – Debate 12h – 13h30 – Almoço 13h30 – Deficiência e Violência – notas de pesquisas 13h30 – 14h – Izabel Maior (UFRJ-NIA) 14h -14h30 – Irene Rizzini- (PUC/RJ- CIESP) 14h30 às 15h – Alice Marinho (SMPD e HUGG) 15h – 15h20 – Liliana Cabral Bastos (PUC-RJ) 15h20 – 15h40 – Martha Moreira e Ana Helena Rotta Soares (IFF/Fiocruz) Debate – 16h – 16h50 Encerramento e lanche – 17h Fonte: Instituto Fernandes Figueira

terça-feira, 13 de setembro de 2011

11th September - 09/11/2001 (11'09''01)




Achei este video no site do Reverendo Caio Fabio, é um repensar o que se diz da Biblia e dos seus seguidores, ela nao autoriza desmatamento, assassinato, ou coisas do genero e nem todos seus seguidores são alienados. Acho que esta na hora de quebrar este paradgma. O video diz tudo o que penso sobre o 11/9 dos americanos. Aquilo foi o grito dos desesperados. O que aconteceu no Chile, aconteceu em nosso solo...quem chora e relembra nossos mortos???

"Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem"

Bertold Brecht

sábado, 6 de agosto de 2011

NEOLIBERALISMO E O NEOPENTECOSTALISMO







O neoliberalismo é uma nova forma de acumulação de capital que surgiu no final da década de 70 cuja principal característica é fazer uma verdadeira apologia ao mercado e as empresas privadas, dando ênfase ao consumismo e também a iniciativa individual e com base nos princípios de eficiência e eficácia no mundo do trabalho, trás consigo incentivos de caráter inovador e progressista que intensificaram cada vez mais a produtividade do trabalho e também formas originais de consumo.

Esta nova forma de produção faz com que as pessoas acreditem cada vez mais na lógica capitalista e também no poder de capital proporcionado pelo poder de consumo e pela iniciativa individual. Porém, no que se refere a relação do neoliberalismo com a religião, mais precisamente com o neopentecostalismo as coisas são bem mais nefastas, posto que, esta último acabou se aliando completamente a este novo modelo econômico e moldando a cara das religião protestante.

O resultado desta relação é uma apologia de caráter emocional ao consumo privado de bens materiais, levada as últimas conseqüências pela Teologia da Prosperidade que incentiva o consumismo e a autonomia individual propalada pelo neoliberalismo se fundamentando no discurso de melhora da qualidade de vida material com vistas a ascensão social, a qual é oferecida pelas igrejas como benção divina.

Além disso, houve também uma "profissionalização" do cargo de pastor da igreja que passou a ser responsável por um tipo de igreja voltada somente para o crescimento numérico dos fiéis e por conseqüência passaram de líder espiritual para um "gerente" de empresa que vive apenas de resultados financeiros.

Isto por conseguinte faz com que a igreja acabe perdendo seu caráter comunitário a partir do momento em que destaca a importância de se viver uma espiritualidade de modo individualista na qual o fiel é levado a seguir modos de vida padronizados na esfera comportamental ditados pelo mercado do consumo e não pela moral religiosa, incentivando-os a consumir produtos de um tipo de mercado chamado de "gospel".

A teologia da prosperidade tem uma relação bastante direta com este novo modo de acumulação de capital, posto que, como dito anteriormente esta se baseia na idéia de que Deus deseja que as pessoas desfrutem de um estado próspero, pregando que os fiéis devem ter fé necessária para poder obter tudo que desejar com base em doações generosas para receberem em abundância de volta, o que deixa explícita a impressão da lógica capitalista no âmbito religioso-protestante.

E isto se espalha como uma epidemia entre as igrejas protestantes mais, precisamente nas neo-pentecostais, uma vez que o neoliberalismo passou a influenciar cada vez mais a esfera religiosa cristãs e não faltará pouco para o pão da ceia seja o Bic Mac e o vinho a coca-cola, deixando para trás os ensinamentos originais do Cristianismo uma vez que as igrejas atualmente apostam em"facilidades" para conquistar seus fiéis e manter o crescimento númerico de sua seita

Desse modo, a liberdade prometida ao indivíduo pelo neoliberalismo na sociedade pós-moderna na verdade passou a se tornar cada vez mais uma falácia, posto que, esta idéia de uma liberdade individual plena começou a ser vista como autonomia individual que incentiva o consumismo e as seitas neopentecostais se adequa perfeitamente a esta nova ideologia ao passo que prega que o indivíduo deve ser próspero, feliz e vitorioso por seus empreendimentos terrenos.

Desta feita, a Igreja não entra em choque com os valores da sociedade burguesa uma vez que os protestantes mais tradicionais condenavam muitos valores e hábitos burgueses como o consumo de bebidas alcoólicas e hábitos de vestuário, porém os neopentecostais não se posicionam contra os mesmo pelo contrário em muitos casos os valoriza. Assim, o discurso das igrejas neopentecostais estão bem mais compatibilizados com as necessidades atuais da sociedade pós-moderna cujos indivíduos acreditam que fé passou a ser um instrumento importante para o sucesso econômico.







http://oficinasociologica.blogspot.com/2010/10/neoliberalismo-e-o-neopentecostalismo.html

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mestrado em Ciências Sociais

Inscrição


Formulario de Inscrição.
Período de Inscrição: 01/07/2011 a 12/08/2011

Objetivo


Destina-se à formação de pessoal qualificado para o exercício das atividades de pesquisa e de magistério superior, capazes de participar criticamente dos dilemas contemporâneos, a partir de uma abordagem interdisciplinar que envolve o diálogo entre as três disciplinas clássicas das Ciências Sociais - Antropologia, Sociologia e Ciências Políticas - e destas com campos de conhecimento afins.

Público Alvo e Pré-Requisito


Portadores de diploma de cursos superiores de duração plena, outorgados por Instituição de Ensino Superior (IES) e reconhecidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Documentação


- 02 fotos 3x4 coloridas e recentes;
- Cópia carteira de Identidade/CPF;
- Cópia frente/verso do Diploma de Grad.(candidatos cujos diplomas não tiverem sido expedidos pela Inst.de Ensino Superior (IES) , poderão se inscrever apresentando declaração da IES com as datas de conclusão/colação de grau de curso de graduação plena. No caso de candidatos possíveis concluintes de curso de graduação plena, com término previsto no 2º semestre de 2010, é obrigatório apresentar declaração da IES de origem, com data de provável conclusão do curso/colação de grau e cópia do Histórico Escolar da Graduação com os registros até o semestre em questão);
- Cópia do Histórico Escolar completo da graduação plena com data da colação de grau;
- Currículo Vitae e com cópia dos artigos e/ou livros publicados;

Local e Horário


Local:
Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, Pavilhão João Lyra Filho, 9º andar, bloco F
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Carga horária:
24 meses.
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Período de realização do curso:
13/03/2012 a 31/03/2014.

Programa


OBRIGATÓRIAS:
Teoria Social I - teoria política
Teoria Social II - teoria sociólógica
Teoria Social III - teoria antropológica
Metodologia I - métodos quantitativos
Metodologia II - métodos qualitativos

ELETIVAS:
Seminário de Dissertação e Tese / Pensamento Social Brasileiro
Violência e Políticas Públicas / Religião e Movimentos Sociais.

Coordenação


Rosane Manhães Prado.
Clara Mafra.

Instrutores


Antônio Carlos Peixoto.
Bernardo Ferreira.
Carlos Eduardo Rebello de Mendonça.
Cecília Loreto Mariz.
Clara Araújo.
Clarice Ehlers Peixoto.
Cláudia Barcellos Rezende.
Felícia Picanço.
Félix Garcia Lopez Júnior.
Helena Bomeny.
João Trajano Sento-Sé.
Luitgarde Cavalcanti.
Márcia Contins.
Márcia Pereira Leite.
Maria Cláudia Coelho.
Maria Josefina Gabriel Santanna.
Myrian Sepúlveda dos Santos.
Patrícia Birman.
Ronaldo Oliveira de Castro.
Rosane Manhães Prado.
Sandra Sá Carneiro.
Simone Vassalo.
Valter Sinder.

Critério de Avaliação


- Prova Escrita dissertativa, sem consulta;
- Prova de Língua Estrangeira (Inglês);
- Análise de Curriculum Lattes;
- Entrevista com a banca examinadora.

Local e Data da Prova e do Resultado


Data das avaliações:
Ver Edital
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Data da matrícula:
05/03/2012 a 09/03/2012.

Valores


Taxa de seleção: R$ 75,00.

Bibliografia


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Contato


UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Rua São Francisco Xavier, nº 524, Pavilhão João Lyra Filho, 9º andar, Bloco F, sala 9037
Bairro Maracanã CEP: 20.550-013, Rio de Janeiro, R.J.
Tel:2334-0678 - ramal 28
e-mail: ppcis.uerj@gmail.com.

Mestrado em Sociologia

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Inscrição


Aguarde o início das inscrições.
Período de Inscrição: 01/08/2011 a 02/09/2011
Formulario de Interesse.

Objetivo


Formar profissionais de alto nível para atividades de ensino e pesquisa em Sociologia assim como para gestão e administração de políticas e serviços públicos.

Público Alvo e Pré-Requisito


Destina-se a portadores de diploma de graduação na área de Ciências Sociais ou qualquer outra área de conhecimento, plena outorgado por IES oficial ou reconhecida pelo CNE, em áreas do conhecimento que abranjam as linhas de pesquisa dos cursos de ciências sociais.

Documentação


- 03 fotos 3x4 coloridas, de data recente;
- Cópia da Carteira de Identidade e CPF;
- Cópia frente e verso do Diploma de Graduação;
- Cópia do Histórico Escolar completo da graduação plena com data da colação de grau;
- Curriculum vitae (modelo LATTES CNPq - http://lattes.cnpq.br).

Local e Horário


Local do curso:
Rua da Matriz Nº 82, recepção - bairro: Botafogo
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Horários:
3ª,4ª e 5ª feiras de 8h às 18h
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Carga horária:
2 anos
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Período de realização do curso:
01/03/2012 a 28/02/2014.

Programa


a) Ação Coletiva e Movimentos Sociais;
b) América Latina Contemporânea;
c) Desigualdades ao Longo dos Ciclos de Vida;
d) Estratificação e Mobilidade Social;
e) Filosofia das Ciências Sociais;
f) Globalização;
g) Metodologia Quantitativa e Comparativa;
h) Modernidade Global;
i) Novas Tecnologias;
j) Pensamento Social no Brasil;
k) Sociologia da Cultura;
l) Sociologia da Economia;
m) Sociologia da Religião;
n) Sociologia do Trabalho (Sindicalismo, Construção de Classe, Mercado de Trabalho, Mobilidade Ocupacional, Transições no Ciclo de Vida);
o) Sociologia Urbana;
p) Teoria da Modernidade;
q) Teoria Social e Sociológica;
r) Violência e Sociabilidade.

Coordenação


Carlos Antonio Costa Ribeiro.

Instrutores


Adallberto Moreira Cardoso.
Breno Brigel.
Carlos Antonio Costa Ribeiro.
Diana Nogueira de Oliveira Lima.
Frédéric Vandenberghe.
Gláucio Ary Dillon Soares.
José Mauricio Castro Domingues da Silva.
Luiz Antonio Machado da Silva.
Nelson do Valle Silva.
Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo.

Critério de Avaliação


- Prova Escrita;
- Prova de Inglês: dia 18/09/11, horário: 9h; Local: Rua da Matriz ,nº 82, Botafogo;
- Entrevista: candidatos não residentes no R.J- dias: 20,21,22 e 23/09/11; Local: Rua da Matriz ,nº 82, Botafogo;

Local e Data da Prova e do Resultado


Data das avaliações:
Ver Edital.
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Data da matrícula:
12/03/2012 a 30/03/2012.

Valores


Taxa de seleção: R$100,00.

Bibliografia


CONSTANT, B. (1985), "Da Liberdade dos Antigos Comparado à dos Modernos", in Filosofia Política. Porto Alegre, Editora LPM, vol.1. DAHL, Robert.(1989), Um Prefácio à Teoria democrática. Rio de Janeiro, Ed. Zahar.
FAORO, Raymundo. (1975), Os Donos do Poder (2ª ed. revista e aumentada).Porto Alegre/São Paulo, Globo/EDUSP (caps. 1, 2, 3, 4, 7, 10, 15 e cap. final). LEAL, Victor Nunes (1976), Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Alfa-Omega.
ROUSSEAU, J.J. (1996), O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi]. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes. SANTOS, W. G. (2007), Oparadoxo de Rousseau : uma interpretação democrática da vontade geral. Rio de Janeiro: Rocco.
WEBER, M. (1979), "A política como vocação", in Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, pp. 97-153.

Contato


CENTRO DE PRODUÇÃO DA UERJ
Rua São Francisco Xavier, 524
Maracanã, Rio de Janeiro, RJ
1º andar, Bloco A, Sala 1006
CEP: 20559-900
Horário de atendimento na Recepção: de 2ª a 6ª feira, das 9h às 18h
Teleatendimento: (21) 2334.0639 de 2ª a 6ª feira, das 8h às 19h
E-mail: cepuerj@uerj.br.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

DEFICIENTE, O QUE É UM DEFICIENTE?




Faz um mês que participo do Projeto Rompendo Barreiras na UERJ que tem como objetivo a inclusão de pessoas portadoras de deficiência visual ou baixa visão, tem sido estimulante trabalhar com a equipe liderada pela prof. Valéria Oliveira, e o trabalho tem me levantando questões para reflexão muito importante.
A problemática da deficiência não me é de todo estranha, meu marido é portador de deficiência física decorrente de um acidente com arma de fogo, tenho acompanhado o processo de inclusão social do meu esposo, principalmente a laboral de perto, e sempre fazemos algumas observações e criticas a esta tal “inclusão”.
Primeiro porque a cidade e os meios de transportes não estão preparados para dar acessibilidade ao portador de deficiência, o que nos remete ao um fato simples: ele não tem meios adequados para chegar ao seu local de trabalho.
Segundo poucos são os portadores de deficiência qualificados profissionalmente para serem absorvidos no Mercado de Trabalho, e pergunta-se onde esta o hiato entre os programas de qualificação e os seus destinatários: divulgação, localidade, locomoção, renda, ensino?
Terceiro, a carga horária é diferenciada e o salário menor, ora se quero incluir alguém devo fazê-lo plenamente, com todos os direitos e deveres, e fica pergunta por que a carga horária e o salário do portador de deficiência são menores do que os dos seus colegas de trabalho?
Contudo, meu pensamento não são apenas essas questões, mas, a própria representação da pessoa deficiente, que podemos analisar pela própria essência da palavra, assim define o Aurélio: deficiência s. f.Imperfeição, falta, lacuna.
A palavra remete ao estado de imperfeição, a alguém que possui uma lacuna ou tem falta de alguma coisa, a palavra é plena em significado negativo, daquilo que é mal, ou que carrega em si uma carga imperfeita e dessa forma imprestável para a sociedade.
Em tempos primitivos uma deficiência acarretava certamente à morte devido a necessidade de sobrevivência, o nomadismo, a garantia de perpetuação da espécie, em tempos que a força física se fazia necessária para a manutenção do grupo, mas, podemos dizer isso hipoteticamente, não há garantias se os grupos cuidavam de entes deficientes como os doentes e idosos.
Nas civilizações antigas, o Egito foi a que deu lugar e destaque aos deficientes, há a foto de um anão tocando um instrumento e uma escrita onde podemos ver um cego em seu cotidiano. A medicina egípcia também se importava quanto à cura ou terapia de pessoas com deficiência.
Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais (faraó, nobres, altos funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte egípcia, os afrescos, os papiros, os túmulos e as múmias estão repletos dessas revelações. Os estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou menos 4.500 a.C., ressaltam que as pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico para as suas ocupações e ofícios, principalmente de dançarinos e músicos.(Gurgel, http://www.ampid.org.br)
Contudo a sociedade romana não admitia a deficiência física, sendo mortas as crianças que assim nascessem e deixados na miséria soldados que retornavam ao campo de batalha mutilados.
As leis romanas da Antiguidade não eram favoráveis às pessoas que nasciam com deficiência. Aos pais era permitido matar as crianças que com deformidades físicas, pela prática do afogamento. Relatos nos dão conta, no entanto, que os pais abandonavam seus filhos em cestos no Rio Tibre, ou em outros lugares sagrados. Os sobreviventes eram explorados nas cidades por “esmoladores”, ou passavam a fazer parte de circos para o entretenimento dos abastados. (GURGEL, http://www.ampid.org.br)
Em Esparta, o destino de crianças deficientes era o mesmo do que de Roma, visto a sociedade Espartana ser completamente voltada para a guerra, os esportes e o culto ao corpo perfeito.
Em Atenas apenas os que se dedicavam a vida de contemplação filosófica pareciam gozar de alguma aceitação, escravos, trabalhadores e mulheres que já eram tidos como inferiores, eram mais inferiores ainda em casos de deficiência. Apesar do mito de Tirésias:
Enquanto passeava, Tirésias encontrou duas serpentes em cópula, as quais atingiu com o seu bordão. Uma tal ação enfureceu Hera, que decidiu transformar o seu perpetrador em mulher. A partir daqui, são diversas as versões do mito, com algumas a mencionarem Tirésias como uma famosa prostituta, enquanto que outras a referem como uma sacerdotisa de Hera. Eventualmente, esta figura encontrou outras duas serpentes em cópula, e pelas suas novas ações voltou ao seu sexo original.
Mais tarde, Zeus e Hera tiveram uma curiosa discussão, relativa à que sexo tira mais prazer do ato sexual. Hera mostrou-se simpatizante pelo lado masculino, enquanto que Zeus referia o sexo feminino como o mais feliz nessa questão, e pela sua experiência única decidiram chamar Tirésias. Ainda desprovido dos seus famosos dons, este habitante de Tebas proferiu uma curiosa idéia - "das dez partes do prazer, o homem apenas tem uma" - a qual exaltou a ira de Hera, que o cegou. Para compensar tal ato, Zeus deu a este homem o dom da profecia, que seria um dos mais famosos da Grécia Antiga.(extraído de http://mitologia.blogs.sapo.pt em 07/04/11 as 17.35).

Contudo a Atenas filosófica e não mais mitológica só concebia um lugar ao deficiente, o de pensador, desde que sua deficiência não o impedisse de ler.
No judaísmo o deficiente era visto como um pecador ou filho de pecadores. Sacerdotes deficientes não podiam chegar ao Santo dos Santos. Jesus reverteu essa lógica, no caso de um cego de nascença que vivia no templo medingando, fez uma distinção muito clara que nem ele e nem os pais haviam pecado, mas, que sua cegueira era para manifestação da Glória de Deus, após a cura do cego, Jesus fez clara distinção entre a cegueira física e a cegueira espiritual.
Levados por esses ensinamentos de Jesus, os apóstolos e a Igreja do primeiro século, tendiam a serem caridosas com os deficientes. Quando o evangelho penetrou na sociedade romana a cultura de matar os deficientes ou deixá-los sem amparo foi mudada.
Em Alexandria foi criada a primeira universidade de estudos filosóficos e teológicos de grandes mestres. Dentre eles, Dídimo, o Cego, conhecia e recitava a Bíblia de cor. No período em que começava a ler e escrever aos cinco anos de idade, Dídimo perdeu a visão mas, continuou seus estudos, tendo ele próprio gravado o alfabeto em madeira para utilizar o tato.
As Constituições romanas do Imperador Leão III havia a previsão da pena de vazar os olhos ou amputar as mãos dos traidores do Império. Há registros de que os índices de criminalidade baixaram. Esta pena foi praticada até a queda do Império Romano e continuou sendo aplicada no Oriente
A Idade Média, onde a bíblia recebeu interpretações extremamente equivocadas a deficiência voltou a ser estigma de pecado.
A população ignorante encarava o nascimento de pessoas com deficiência como castigo de Deus. Os supersticiosos viam nelas poderes especiais de feiticeiros ou bruxos. As crianças que sobreviviam eram separadas de suas famílias e quase sempre ridicularizadas. A literatura da época coloca os anões e os corcundas como focos de diversão dos mais abastados. (Gurgel, http://www.ampid.org.br)
Em religiões onde se acredita em Carma ela é vista como “pagamento de erros passados” ou “sofrimento para purificação da alma”, e assim levar o indivíduo a evolução. O rei Luís IX fundou o primeiro hospital para pessoas cegas,
Com o advento do capitalismo e a necessidade de mão de obra para a produção o deficiente passou a ser visto como um estorvo, pois não estaria apto a fazer parte da cadeia produtiva, para o detentor dos meios de produção não servia como mão de obra e para a família não produzia e consumia o que era produzido pelo grupo.
São dessa época que as Santas Casas de Misericórdia e os asilos vão recolher diversos tipos de deficientes a fim de lhes fazer caridade, numa protoforma das primeiras ações assistenciais junto a este publico.
Nas famílias burguesas o nascimento de uma criança deficiente era um escândalo em sua maioria, sendo a criança confinada com babás e escondida de outros membros da família ou amigos, ou depositadas na roda dos expostos. O marido sempre culpava a mulher pelo filho deficiente e a situação era vista como uma mácula ao bom nome familiar, principalmente se a deficiência fosse de origem mental.
Mas, algumas iniciativas pioneiras são dessa época, com o iluminismo e as descobertas científicas. Gerolamo Cardomo, médico e matemático criou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever, influenciando o monge beneditino Pedro Ponce de Leon, desenvolveu um método de educação para pessoa com deficiência auditiva, por meio de sinais. Esses métodos contrariaram o pensamento da sociedade da época que não acreditava que pessoas surdas pudessem ser educadas. Já na Inglaterra John Bulwer defendeu um método para ensinar aos surdos a leitura labial, além de ter escrito sobre a língua de sinais.
Juan Pablo Bonet na Espanha, em 1620 escreveu sobre as causas das deficiências auditivas e dos problemas da comunicação, condenando os métodos brutais e de gritos para ensinar alunos surdos. No livro Reduction de las letras y arte para ensenar a hablar los mudos, Pablo Bonet demonstra pela primeira vez o alfabeto na língua de sinais.
Ambroise Paré (1510-1590), médico francês do Renascimento, aperfeiçoou os métodos cirúrgicos para ligar as artérias, substituindo as cauterizações com ferro em brasa e com azeite fervente. Foi grande a sua contribuição na criação de próteses
Martinho Lutero, um dos pioneiros do protestantismo, afirmava que pessoas deficientes não possuíam natureza humana e eram usadas por maus espíritos, bruxas, fadas, duendes e que deviam ser afogadas.
Durante os séculos XVII e XVIII houve grande desenvolvimento no atendimento às pessoas com deficiência em hospitais. Havia assistência especializada em ortopedia para os mutilados das guerras e para pessoas cegas e surdas.
Philippe Pinel foi o pioneiro na explicação que pessoas com perturbações mentais deveriam ser tratadas como doentes, ao contrário do que acontecia na época, quando eram trados com violência e discriminação.
No Século XIX, em 1819, Charles Barbier (1764-1841), um capitão do exército francês, atendendo a um pedido de Napoleão, desenvolveu um código para ser usado em mensagens transmitidas à noite durante as batalhas. Em seu sistema uma letra, ou um conjunto de letras, era representado por duas colunas de pontos que por sua vez se referiam às coordenadas de uma tabela. Cada coluna podia ter de um a seis pontos, que deveriam estar em relevo para serem lidos com as mãos. O sistema foi rejeitado pelos militares, que o consideraram muito complicado.
Barbier então apresentou o seu invento ao Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Entre os alunos que assistiram a apresentação encontrava-se Louis Braille (1809- 1852), então com quatorze anos, que se interessou pelo sistema e apresentou algumas sugestões para seu aperfeiçoamento. Como Barbier se recusou a fazer alterações em seu sistema, Braille modificou totalmente o sistema de escrita noturna criando o sistema de escrita padrão – o BRAILLE – usado por pessoas cegas até aos dias de hoje.
O Século XIX, ainda com reflexos das idéias humanistas da Revolução Francesa, ficou marcado na história das pessoas com deficiência. Finalmente se percebia que elas não só precisavam de hospitais e abrigos, mas, também, de atenção especializada. É nesse período que se inicia a constituição de organizações para estudar os problemas de cada deficiência. Difundem-se então os orfanatos, os asilos e os lares para crianças com deficiência física. Grupos de pessoas organizam-se em torno da reabilitação dos feridos para o trabalho, principalmente nos Estados Unidos e Alemanha.
Apesar dessas iniciativas, a deficiência, ou a pessoa portadora com deficiência era vista como um estorvo, tanto que era isolada em um asilo ou orfanato, devido a pessoa com deficiência ter uma representação negativa, de pessoa “de menos”, necessitada de caridade, digna de pena, “o coitadinho”. Mas, o que é uma representação social?
Representação social é uma categoria de analise usada por Serge Moscovici, um psicólogo social, e procura tornar familiar aquilo que não conhecemos.
"As representações que nós fabricamos – duma teoria científica, de uma nação, de um objeto, etc – são sempre o resultado de um esforço constante de tornar real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstrato torna-se concreto e quase normal (...) as imagens e idéias com as quais nós compreendemos o não-usual apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos familiarizados (Moscovici, 2007, p.58)"

Como pudemos perceber a representação social da pessoa deficiente é negativa, daquele que era pecador, amaldiçoado, alguém desprezado ou alvo da caridade bondosa e não pessoa, sujeito de direitos.
Apesar dos avanços alcançados, principalmente no Brasil, com o estatuto da pessoa com deficiência, Lei 7699/6 que em seus direitos fundamentais assim determina: no Art. 11. A pessoa com deficiência tem direito à proteção à vida, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Hoje falasse muito em inclusão, a TV mostra em horário nobre a historia comovente de uma cadeirante, estimulasse ao esporte, o governo pressiona as empresas privadas com a Lei de Cotas para pessoa com deficiência, mas, não podemos esquecer que numa época de capitalismo global, em que necessitamos de aumento do consumo e principalmente na área tecnológica onde há grandes investimentos em próteses e orteses.
Contudo, a pessoa com deficiência ainda é representada negativamente, invisível na cidade sem acessibilidade, no transporte publico de qualidade baixa que sempre cheio impossibilita a locomoção, a escola publica, ainda despreparada para receber e ensinar com qualidade seus alunos chamados “especiais”.
Na verdade a inclusão é a constatação da exclusão. Que a sociedade exclui, torna invisível, coloca para debaixo do tapete esses “incômodos” seres “de menos” que os desafia e mostra a vulnerabilidade humana.
A deficiência uma construção social, uma representação que fazemos de pessoas que não vêem, não ouvem, não se locomovem, não pensam e não aprende como nós, porque nos tomamos como a medida de todas as coisas.
O corpo humano, esse extraordinário e maravilhoso corpo humano se reorganiza para que a pessoa com deficiência continue a viver e desenvolver-se. Assim o deficiente auditivo “ouve” com a pele e com os olhos, o deficiente visual “vê” com a audição, o tato, o olfato, o deficiente físico encontra formas de equilibrar o corpo, quem não conhece a mulher que sem braços fazia todos seus afazeres domésticos com seus pés? Ou o filme estrelado por Daniel Day – Lewis “Meu Pé Esquerdo” que conta a historia de um jovem que nasce com paralisia cerebral numa família irlandesa pobre e se torna pintor e escritor utilizando apenas seu pé esquerdo? O deficiente intelectual aprende através de outras formas e o deficiente mental “percebe” outra realidade diferente da nossa, mas, todos eles continuam sendo seres humanos com todas as suas potencialidades e capacidades.






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MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes, 2003.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

SURUWAHÁ VIVENDO A VIDA NA EXPECTATIVA DA MORTE




O povo Suruwahá é constituído de onze etnias que sofreram com a dizimação por ocupação de terras para extravio da borracha e sorva. Alguns foram assassinados nas invasões, outros morreram devido ao contato com o “homem branco” que lhe trouxeram diversas doenças. Hoje os Suruwahá habitam a região do Rio Purus – AM, numa área de 239. 070 hectares homologada pela FUNAI em 1991, não contando com mais de 200 pessoas. Os primeiros contatos com os Suruwahá ocorreram nos anos 70 através de entidades religiosas e posteriormente a FUNAI.
Logo uma faceta da nova nação indígena descoberta chamou atenção daqueles que entraram em contato com eles, que era o alto índice de suicídios entre os membros da tribo. Apesar de suicídio entre índios não ser uma novidade, ocorrendo entre os Paresi, Tikuna e Yanomami. O caso mais alarmante chamou a atenção da mídia em 1995 quando houve um crescimento acentuado do suicídio entre os Guaranis, no Mato Grosso do Sul, chegando a 55 pessoas que deram fim a vida.
Contudo, entre os Suruwahá o suicídio ou “morte ritual” como prefere chamar o professor Dal Poz em seu Crônica de uma morte anunciada: Do Suicídio entre os Suruwahá, tem contornos bem diferentes, sendo uma característica marcante na dinâmica social do povo.
Os Suruwahá vivem todos numa única oca grande, espalhados aleatoriamente por famílias, consangüíneos e afins. No centro da oca fica “o dono da casa”, aquele que a construiu com ajuda de outros homens da tribo. É o dono da casa que faz todos os reparos nela.
Construir uma oca, que leva até dois anos, é umas das tarefas que demonstra maturidade masculina. Entre os Suruwahá não há uma chefia, ou pajé, mas, a sociedade é estratificada, sendo os “caçadores” os mais prestigiados entre eles. Aquele que consegue caçar o maior numero de antas para alimentar a família e a tribo goza de prestigio e privilégios.
Há uma forte diferenciação entre os sexos. Ter um filho homem é bastante celebrado, e o maior temor das mulheres Suruwahá é ser enfeitiçada e não poder ter filhos homens. A preferência quanto aos homens na tribo leva a outro fato também muito estudado que é o infanticídio, principalmente das meninas.
O rito de passagem dos meninos para a vida adulta que recebem o suspensório peniano é celebrada com festas, caças, pescarias, depois são surrados pelos homens mais velhos da tribo (agüentar a dor) e vão dormir em suas redes na oca. Enquanto seus familiares lutam noite adentro. Pela manhã os rapazes são levados pelas mulheres para tomar banho no rio, tem seus cabelos cortados e são pintados com urucum.
Entretanto o ritual de passagem das meninas é muito diferente, ao menstruarem pela primeira vez, são isoladas na oca, vendadas, quase não comem e saem apenas à noite para fazer suas necessidades fisiológicas. A partir da primeira menstruação passam a ser vigiadas de perto pelos pais e familiares, não podem andar só, para evitar “abuso sexual” de um não parente. Há uma intensa pressão e vigilância quanto a sexualidade das meninas.
Entre os Suruwahá a beleza, o vigor físico, jovialidade são muito valorizados, daí a maioria dos suicídios ocorrerem entre jovens de ambos os sexos. A decadência física da velhice é intolerada.
Por isso costumam dizer “bom é morrer jovem”. O ato de suicídio é natural e desejável entre os Suruwahá. As crianças brincam desde pequenas com o fato, imitando o ritual de suicídio.
A velhice é vista como uma decadência insuportável, principalmente se o velho se tornar dependente. Apesar de serem respeitados costumam ser ignorados pelos jovens e chamados de “aqueles que tomaram o caminho mais penoso”, ou seja, de morrer de forma natural.
Para compreender como um Suruwahá vive sua expectativa da morte é necessário conhecer sua cosmologia e seu pensamento sobre o transcendente.
Professor Dal Poz cita Günter Kroemer (1994: 150-1) para contar a expectativa dos Suruwahá quanto à morte. “Os Suruwahá concebem três caminhos distintos que atravessam o firmamento: o mazaro agi (caminho da morte), o perscurso do sol, por onde seguem os que morrem de velhice; o konaha agi (caminho do timbó), a trajetória da lua, por onde vão os suicidas; e o koiri agiri (caminho da cobra), o rastro do arco Iris, a rota dos que morrem de picada de cobra. Com isso, o destino escatológico encontra-se polarizado entre a casa do ancestral Bai, o Trovão, no patamar celeste superior, para os que ingerem veneno, onde as "almas" (asoma) reencontram seus parentes e vivem como os autênticos Konahamady (o "povo do timbó"), e a morada do ancestral Tiwijo, a leste, para onde seguem as almas dos que morrem de velhice. Os que foram picados por cobra, estes permanecem num espaço intermediário, o próprio arco-íris. A opção pela morada de Tiwijo, concebida como um caminho "penoso, onde os corações, sem achar sossego e paz, vagueiam" (ibid.: 78), possibilita, paradoxalmente, sua transformação em seres eternamente jovens. A fonte dessa juventude, dizem eles, é uma "comida doce" que as almas recebem ao chegar — a velhice apodrece no túmulo, junto com a pele do cadáver. Lá a vida é boa, as plantas agrícolas crescem sem esforço e a caça e a pesca são abundantes (Fank & Porta, 1996 a: 3; 1996 b: 126-9). Mas, de acordo com Kroemer (ibid.: 78), seria na direção de Bai que os Suruwahá projetariam sua "verdadeira existência à qual ritos, cantos e rezas estão relacionados" — um mundo tomado pelas águas, segundo eles, onde as almas comem apenas raízes de timbó e se transformam em peixes, seu destino final.
A pratica de suicídio entre os Suruwahá é segundo Dal Poz um empréstimo dos índios Catuquina, que ressignificada entre os Suruwahá passou a fazer parte da identidade do povo.
Kroemer pensa que a morte voluntaria entre os Suruwahá tem haver com sua origem advinda do extermínio de seus antepassados com o avanço da frente extrativista, visto que o mundo ideal e feliz não é aqui, mas, no além.
O suicídio pode ser desencadeado por aborrecimentos, brigas ou luto. É costume dizer “Suruwahá esta com saudade” e cometer suicídio para reencontrar seus amigos ou parentes.
Há um ritual para que o fato aconteça conforme descreve Sousa e Santos.
1. Um determinado acontecimento provoca irritação ou contrariedade;
2. O individuo destrói seus pertences (corta e queima a rede, quebra suas armas e ferramentas, estilhaça os utencilios de cerâmica);
3. Os circunstantes, parentes ou não, deixam-no extravassar sua agressividade; procuram disfaçar sua apreensão e, com estudada naturalidade, continuam suas atividades corriqueiras ou começam imediatamente alguma; eles evitam olhar diretamente para o raivoso, mas, acompanham furtivamente seus movimentos;
4. Se após o acesso de raiva, o desgosto ainda não abandonou, o individuo emitirá um grityo ou logo saira ostensivamente da casa, correndo em direção a alguma roça para arrançar raízes de timbó;
5. Os que acompanhavam discretamente o que se passava avisam os demais (parentes, talvez) e algumas pessoas (geralmente do mesmo sexo) perseguem o suicida, ou se ele já está distante, procuram-no nos caminhos que vão dar às roças;
6. Se os perseguidores o encontram, tentam tirar-lhe as raízes; caso contrario, o suicida se dirige a um córrego e ali espreme e mastiga o timbó, de modo a ingerir seu sumo, em seguida bebe um pouco de água para ativar seus efeitos tóxicos;
7. Daí, volta correndo ruma à casa (alguns não conseguem chegar e morrem no caminho)
8. Ali chegando o suicida é atendido por seus parentes ou outros, o que varia segundo o motivo e as relações que suscitaram a tentativa; a operação de salvamento consiste em provocar vomito, esquentar o corpo com panos aquecidos (tarefa realizada pelas mulheres), bater nos membros dormentes e gritar ao ouvido para desperta-lo, mantendo-o sempre sentado;
9. Durante o salvamento se mostram zangados e lhe falam de forma agressiva e xingam-no;
10. Morrendo o suicida há uma grande comoção no grupo, com muitos choros e lamentos, desencadeando logo em seguida, algumas horas ou dias novas tentativas de suicídio, que dão inicio a nova perseguição e tentativa de salvamento.

Dependendo da importância do individuo a mobilização de salvamento será maior ou não, quando se trata de pessoa velha não se costuma fazer salvamento dizendo “está velho, deixa morrer”.
Nesses lamentos costumam dizer que “Suruwahá vai morrer, Suruwahá vai deixar de existir porque gosta do veneno”.
Hoje com saídas para tratamento nas cidades já fazem reflexões que o “povo da cidade tem velhos e mais gente que Suruwahá e são felizes”.



Conclusão

Entendemos essa sociedade em anomia, visto que coloca em risco sua própria existência, é importante ressaltar a forma como foi construída sobre a tragédia do genocídio, fazendo com que reinterpretasse a vida e o significado dela completamente, lançando para o além suas expectativas de felicidade, paz e abundancia, não enfrentando as questões cotidianas.
Os suicídios geralmente ocorrem por luto, desentendimentos entre casal, desentendimentos familiares e até mesmo por desentendimento entre as crianças, pode levar pais ou tios ao suicídio. Morrem mais homens, principalmente devido ao luto, quanto às mulheres a causa principal de morte são as questões ligadas as dificuldades do matrimonio.
Apesar de viverem de forma coletiva há uma certa individuação, por exemplo o nome é dado por características pessoas, historia de seus ancestrais, não havendo repetição de nomes entre eles. Há também a distinção na caça e nos afazeres masculinos e uma clara distinção de gênero.
Outro fato interessante a ser refletido é a juventude, a força, e a beleza como fonte de todas as glorias, tanto que a velhice é uma decadência intolerável.
Olhando desta forma o suicídio dos Suruwahá é uma celebração a estes valores, a eterna juventude, ao eterno vigor, alegria e abundancia, conquistados de uma vez para sempre através do Caminho da Lua, onde junto com Bai, o Trovão, vivem no patamar superior como autênticos Konahamady – Povo do Timbó.





Dal Poz, João. Crônica de uma morte anunciada: do suicídio entre os Soruwahá. Rev. Antropologia. v.43 n.1 São Paulo 2000.
SANTOS, Marcio Martins dos. SOUSA, Kariny Teixeira de. Morte ritual: reflexões sobre o “suicídio” Suruwahá. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p 10-24, Jan/Jun 2009

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Deixar a vida para entrar no espetáculo



Por Eugênio Bucci - Psicanalistas, psicólogos e criminologistas vêm apontando traços comuns no perfil desses sujeitos que, de repente – e de uma vez –, descarregam suas armas contra adolescentes dentro da escola. Os assassinos são sempre do sexo masculino. São retraídos. São jovens. São suicidas.


Os hábitos também são comuns. No período anterior ao crime – que pode se estender por meses ou mesmo por anos –, eles mantêm, em geral, uma rotina reclusa, sobre a qual não gostam de conversar. Freqüentam sites sobre armas e também sobre fundamentalismos, religiosos ou políticos. Procuram se adestrar em práticas militares. Depois, quando é tarde demais, descobre-se que deixavam pistas, algumas até conscientemente, indicando tendências destrutivas. Acontece que essas pistas não eram notadas. Aí, dizem alguns psicólogos, estaria o gatilho de tudo: eles não eram notados. Eles não conseguiam ser notados.

Nesse ponto, a análise dos perfis psicológicos, que é da competência dos psicanalistas e criminologistas, encontra nexo com o estudo das linguagens e da comunicação social. Se é verdade que o gesto monstruoso tem ao menos parte de sua origem no impulso agora incontrolável de se fazer notar – o que é matéria para os psicanalistas –, o lugar em que esse gesto procura se instalar, para que seu autor seja finalmente olhado, é a manchete de jornal – e isso é objeto dos estudos da comunicação. Esse tipo de homicida teria sua gênese, como todos os outros, no perfil psicológico, mas o seu gesto final seria da ordem do espetáculo. Por isso, é possível que parte da compreensão desses crimes ainda venha a ser completada pelos estudos da mídia, uma vez que, nesse caso, o desejo de matar se confunde com o desejo de platéia.

Na civilização da imagem – que é a nossa –, a invisibilidade pode ser um inferno em vida. Não ser visto, ou, mais que isso, não conseguir ser ao menos visível, equivale a não existir. Um adolescente perseguido pelo fantasma da invisibilidade talvez se sinta como se, olhando-se num grande espelho, ao lado dos colegas, não conseguisse ver refletida a sua própria imagem ao lado das imagens dos outros. Num tempo em que todas as representações só existem quando passam pelas imagens – imagens reconhecíveis e valorizadas pela comunidade a que se pertence –, livrar-se da invisibilidade é uma questão de vida ou morte.

O terrorismo em causa própria

É óbvio que são muitos os criminosos que, pela violência, buscam uma revanche. Aqui, no entanto, existe uma particularidade mórbida: o vetor desse acerto de contas é, invariavelmente, a chamada "mídia". Esses rapazes que matam seus pares aos montes e, assim, tentam trocar a insignificância pelo superestrelato, que dá picos de audiência e bate recordes de vendagem nas bancas, não estariam saciados e não se sentiriam vingados se cometessem suas atrocidades no escuro, longe das platéias. De escuridão e invisibilidade, já basta sua biografia. Em seu apogeu de sangue, o fundamental é ser vistos. As mortes são um atalho – necessário, por certo, mas não passam de um atalho – para a fama total. Assim, seu acerto de contas não dispensa os holofotes.

A constatação é perturbadora. Por tudo o que se pode observar nesses crimes, os homicídios só acontecem porque seus autores desejam ser olhados – e, se é que alguma certeza pulsa nos descaminhos do desejo, eles têm a certeza de que serão olhados. Eles não calculam, racionalmente, o crime indescritível como se ele fosse uma estratégia. Bem ao contrário, eles internalizaram, inconscientemente, a lógica da visibilidade midiática como se esta fosse a única lógica possível da existência. Com suas atrocidades, esses pobres meninos monstruosos suplicam uma esmola ao imenso olhar que transborda pelo mundo. Por isso, eles se dirigem à mídia na hora de matar. É com ela que negociam. É com ela que conversam, seja por meio de uma carta-testamento ou de um vídeo que em seguida vai parar no YouTube. Sim, eles sabem que serão olhados, mas não sabem que matam por isso.

Não obstante, as crianças que morreram numa escola do Realengo, no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril de 2011, morreram por isso e para isso. Suas vidas foram o atalho para o assassino carente de olhar. Morreram como se fizessem uma abertura de um grande show, cujo clímax é o suicídio de seu algoz. Nesse ritual, o assassino firma um pacto: em troca da fama que sempre quis ter, ele mata e também se mata. Eis o que vai redimi-lo. Não há vida depois da morte: há o espetáculo e isso lhe basta. Ele é o terrorista em causa própria. Sim, um terrorista, pois o terror que inspira não se esgota com ele: depois dele, virão outros. O medo aumenta.

A forma vazia da morte múltipla

Falei há pouco de um nexo entre o psiquismo desses rapazes e as representações imaginárias nos meios de comunicação. Esse nexo nos ajuda a entender o que ainda desconcerta analistas que não vêem nesses crimes uma dimensão específica que eles têm: a dimensão de um ato de propaganda, que procura tomar de assalto o olhar do mundo.

Esse tipo de crime é concebido e encenado como atentado midiático – e isso é o que ele tem de mais central. O seu formato é padronizado, ou, para sermos exatos, industrialmente padronizado. Assim como há gêneros de filme, todos eles industrialmente padronizados, assim como também foram industrialmente padronizados os gêneros de orientação sexual, os gestuais e estereótipos religiosos, de estilos musicais, as manifestações políticas, esse tipo de assassinato de múltiplas vítimas simultâneas se articula como linguagem midiática.

Tanto é assim que essa modalidade de crime obedece a um protocolo em sua forma: os disparos são rápidos e se prolongam até que venha a resistência, trazendo consigo o olhar da sociedade alarmada. Além da forma, porém, não há mais nada. Essa modalidade de crime não tem conteúdo nenhum. Ele é uma forma vazia, que se alastra pelo mundo na mesma onda em que a indústria do entretenimento abraça os continentes. É aparência vazia. Tem o formato e o ritmo milimetricamente delineados pelo espetáculo – e não tem sentido.

Visto pela psicologia, o seu protagonista mata os semelhantes para matar seus próprios demônios, que cortaram seu acesso à razão. Visto como um fenômeno de comunicação, porém, ele assume outra figura. Ele irrompe na cena porque matou e também porque se matou. Ou, então, ele matou e se matou para, finalmente, aparecer. Ele morreu para existir naquela instância de representação que o ignorava. E isso é tudo.

Gostava de música americana

Alguém então perguntaria: mas então esse é um formato de crime tipicamente americano? A resposta seria sim, ele é americano na mesma medida em que o rock é americano, em que o filme de ação é americano, em que o paradigma de juventude da nossa era é um pouco inglês, um pouco francês, vá lá, mas é fundamentalmente americano, assim como a democracia de massas é tipicamente americana. Ele é americano assim como as narrativas que nos amarram são predominantemente americanas. Ele é americano, por certo, mas não isso não significa que ele seja culpa dos americanos, por favor.

A tendência de que essa modalidade de crime se banalize está definitivamente instalada. No curso da banalização, ela irá se diluir como forma até perder o interesse. Antes disso, no entanto, os jornalistas terão de se ocupar, ainda outras vezes, e sempre tragicamente, de horrores análogos. É possível que eles se indaguem, às vezes, se devem dedicar tanto destaque a essas coberturas. É possível que se questionem: será que tanta manchete, tanta capa de revista, tanto horário nobre, será que tudo isso não vai encorajar outros criminosos com o mesmo perfil? Será que outros, que também se torturam ao não ver sua imagem refletida no brilho do olhar das meninas da escola, não vão empunhar uma metralhadora para pleitear seu lugar de destaque na galeria infame que nós mesmos, jornalistas, ajudamos a fabricar? Se é dever da imprensa noticiar os males que se fazem às escondidas, da corrupção ao genocídio, é dever dela amplificar as matanças que só foram perpetradas porque desejavam a atenção dos holofotes?

Mesmo assim, o jornalismo continuará a noticiar o que se vê impelido a noticiar, e virão outros para a mesma galeria. Não há o que o jornalista possa fazer. Ou há pouco, muito pouco: omitir um nome aqui, atenuar a dramaticidade ali, tudo isso é pouco. No mais, não cabe ao jornalismo resolver esse problema. Aliás, o jornalismo não dispõe de mandato – nem da ontologia, nem da epistemologia – que lhe permita equacionar tamanho problema.

Esse problema apenas passa pelo jornalismo, mas não começa nem se resolve no jornalismo. Ele ultrapassa o campo exíguo da imprensa e mergulha nos subterrâneos de uma sociedade que não se cansa de perguntar se há felicidade do outro lado do muro do ideal do bem, que aprendeu a idolatrar a força dos que dizem viver além da lei, que acredita que a dimensão mais sublime da ética está nos grunhidos de Marlon Brando como capo mafioso, que entende a vida como se a vida fosse um filme, no qual é melhor ter o papel de bandido do que não ter papel nenhum. Se a fama vale mais do que a alma e do que a vida, por que não dissecar e expor os interstícios da personalidade dos que matam para virar notícia póstuma? O que pode haver de mais intrigante, fascinante e repulsivo que isso?

Assim, as estrelas do mal são notícia. Os que sacrificam os nossos inocentes são a nossa esfinge: não temos como ignorá-los; não temos como não noticiá-los. Mas teremos como superá-los? Iremos escapar deles?

A celebridade do que existe de mais vil

O jornalismo não dispõe de argumentos para se recusar a dizer o nome desses criminosos todos. Não tem como não dar a foto. Não pode sonegar às pessoas o que as pessoas querem saber. E têm o direito de saber. Agora: que é perturbador, é muito perturbador. Um sujeito vai lá, mata uma porção de crianças, e ainda ganha de presente a fama adorada, e vazia, pela qual matou – e morreu. E sabemos todos que virão outros.

Fonte: Observatório da Imprensa

domingo, 3 de abril de 2011

Maquiavel e o pensamento político.




Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do renascimento, uma figura brilhante mas também algo trágica. Durante os séculos XVI e XVII, o seu nome será sinónimo de crueldade, e em Inglaterra o seu nome tornou ainda mais popular o diminutivo Nick para nomear o diabo, não havendo pensador mais odiado nem mais incompreendido do que Maquiavel. A fonte deste engano é o seu mais influente e lido tratado sobre o governo, O Príncipe, um pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder político.
A vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença, assim como o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política, pela guerra, pelo intriga, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, assim como dos Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das rivalidades italianas no conflito mais vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia europeia, que preencherá a última parte do século XV e a primeira metade do século XVI. De facto, a vida de Maquiavel começou no princípio deste processo - em 1469, quando Fernando e Isabel, os reis católicos, ao casarem unificaram as coroas de Aragão e Castela, dando origem à monarquia Espanhola.
Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direcção política de Lourenço de Médicis, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho de Lourenço e seu sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano Savonarola, que criou uma verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um fanático defensor da reforma da Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado, uma segunda república foi fundada por Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que instalaram de novo os Médicis como governantes de Florença.
Maquiavel parece não ter tido uma posição política clara. Quando os Médicis retomaram o governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas graças da família. O que prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou acreditava de facto no serviço do estado, não lhe importando o grupo ou o partido político que detinha as rédeas do governo. Os Médicis, de qualquer maneira, nunca confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um funcionário importante da república. Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por ser banido para a sua propriedade em San Casciano, mas esta actuação dos Médicis não o impediu de tentar novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em San Casciano, quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as suas principais obras: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, O Príncipe, A História de Florença, e duas peças. Muitas destas obras, como O Príncipe, foram escritas com a finalidade expressa de conseguir uma nomeação para o governo dos Médicis.
A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição ocidental, exactamente como a tradição chinesa, ligava tanto a ciência como a actividade política à ética. Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a política como uma mera extensão da ética. A tradição ocidental, via a política em termos claros, de certo e errado, justo e injusto, correcto e incorrecto, e assim por diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as acções humanas eram os termos empregues para avaliar as acções políticas.
Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenómenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à ética ou à jurisprudência. De facto pode-se considerar Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis à política. Fê-lo observando os fenómenos políticos, e lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o resto - a religião, a moral, etc. -- que era associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder manter é ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação.
Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De facto, o livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer momento, se um governante não calculou bem uma determinada acção, o poder e a autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O mundo social e político do Príncipe é completamente imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode superar esta volatilidade.
Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político, sendo eles odiados universalmente em toda a Europa como papas ímpios. A sua recusa em permitir que princípios éticos interferissem na sua teoria política marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel. Em capítulos como «De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que:
«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».
Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar que não está a falar sobre o estado em termos éticos mas sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação italiana era desesperada e que o estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao problema de um ponto de vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o estado para o tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético, mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados antes que infectem o estado inteiro.»
O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é relacionado normalmente com «virtude». Mas de facto, Maquiavel utiliza-a mais no sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de carácter, força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve qual é a maneira mais apropriada para responder a volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o objecto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da ideia renascentista do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico della Mirandola, se um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a um indivíduo de carácter forte pôr ordem no caos da vida política

quinta-feira, 24 de março de 2011

Como nos velhos tempos

Justiça libera militantes presos em manifestação contra Obama

21 Mar 2011 . 17:16 h . Agência Estado . portal@d24am.com
Os manifestantes foram presos depois que um coquetel molotov foi lançado contra o Consulado Americano, ferindo levemente um segurança.

Rio de Janeiro - O desembargador Claudio Luis Braga Dell'orto, do Tribunal de Justiça do Rio, determinou na manhã de hoje a libertação de 12 dos 13 militantes presos em flagrante durante uma manifestação em frente ao Consulado Americano, no Centro do Rio, na noite de sexta-feira. Maria de Lourdes Pereira da Silva, de 69 anos, já havia sido liberada no domingo, por um habeas-corpus.

Maria de Lourdes é personagem folclórica no Rio. Conhecida como Vovó Tricolor, costuma passear por Copacabana, levando um galo pela coleira, vestida com o uniforme do Fluminense. "Ela não é militante política. Passava na hora pela Avenida Rio Branco e decidiu aderir à manifestação, o que mostra a arbitrariedade das prisões", afirmou o deputado federal Chico Alencar (PSOL).

Maria de Lourdes ficou presa com a professora Pâmela Rossi e a universitária Gabriela Proença da Costa no presídio Bangu 8. Outros nove militantes do PSTU tiveram as cabeças raspadas no Presídio de Água Santa. As duas mulheres e os nove homens aguardavam a chegada do alvará de soltura até as 17 horas de hoje. Pela manhã, foi libertado o estudante J, de 16 anos, aluno do Colégio Pedro II. Ele ficou detido num centro de triagem para menores infratores.

Os manifestantes foram presos depois que um coquetel molotov foi lançado contra o Consulado Americano, ferindo levemente um segurança. O PSTU e o PSOL negam que o artefato tenha sido lançado pelos seus militantes. "O consulado tem todo um aparato de segurança que inclui câmeras instaladas. Desafio que apresentem alguma imagem dos nossos militantes jogando o coquetel", afirmou Cyro Garcia, presidente do PSTU.

Estava previsto para hoje um protesto no Theatro Municipal, local em que o presidente Barack Obama discursou. A intenção era fazer uma lavagem simbólica das escadarias como forma de comemorar a libertação do grupo.

extraido de http://www.d24am.com/noticias/brasil/justica-libera-militantes-presos-em-manifestacao-contra-obama/19829 as 21.17 em 24/03/11

sábado, 12 de março de 2011

O MERCADO DE TRABALHO DOS CIENTISTAS SOCIAIS (*)



Maria da Gloria Bonelli


Introdução
Há perspectivas divergentes na forma de se conceber as ciências sociais. Um dos pontos sujeitos a esse embate refere-se à sua concepção como profissão. Um argumento contrário a tal abordagem é que essa qualificação só se aplica às profissões ditas tradicionais, como a medicina, o direito e a engenharia. Para os que aceitam essa interpretação, as ciências sociais possuem uma outra lógica, que seria inerente ao mundo intelectual. Haveria, portanto, o universo das profissões e o da intelligentsia. Implícito na diferenciação estaria o mercado. As profissões viveriam nessa lógica. As mais fortes teriam um controle sobre o mercado. As fracas seriam controladas por ele.

Num outro circuito, distante e alheio ao do mercado, viveriam os intelectuais submetidos à lógica da vida universitária. Esta fundamenta-se na autonomia, na liberdade e no conhecimento especializado. Sua autoridade emergiria da capacidade de formular e de monopolizar conhecimentos. É no âmbito da universidade que se formam os profissionais.

No meu ponto de vista, essa visão dicotômica do mundo do trabalho profissional, em vez de captar sua lógica interna, acaba encobrindo-a, do que resultam várias conseqüências perversas. Se, aparentemente, a disciplina ganha alguma distinção social com o argumento da lógica própria, intelectual, diferente da vigente no mercado, perde-a porque expõe o limite explicativo ou interpretativo que as ciências sociais têm de si mesmas.

Uma outra perversidade dessa visão "isolacionista" é que ela induz a que se busque no seu interior respostas que não se encontram somente lá. Tenta-se diagnosticar e resolver a crise dos paradigmas das ciências sociais, a crise de produção nas ciências sociais, a crise dos cursos de ciências sociais, a crise da escassez de procura nas ciências sociais, a crise da evasão nas ciências sociais, a crise da feminização das ciências sociais e muitas outras.

Minha proposta é analisar as ciências sociais dentro do mundo do trabalho. Só que em vez de olhar o trabalho como uma atividade inerente à vida do operário na indústria, por exemplo, vamos examina-lo sob o prisma do conjunto das atividades desenvolvidas a partir de uma titulação superior.

Para fins analíticos, vamos utilizar o significado do termo profissão que impera na sociologia e na sociedade americana. Lá, profissão pressupõe a existência de um título superior. Se o trabalhador não é formado na faculdade, ele tem uma ocupação. Ser profissional vincula-se à conclusão de um curso superior. (1)

É nesse sistema de profissões que vamos inserir as ciências sociais e analisá-las. Tal sistema é composto por todas as profissões de nível universitário, sejam elas de cunho intelectual ou não. Toda profissão superior tem seu segmento acadêmico. Afinal, tanto os médicos como os enfermeiros, os engenheiros, os advogados ou os pedagogos são formados pelo segmento intelectual dos professores universitários.

Com a expansão do sistema universitário, possuir um título superior adquiriu significados no mundo do trabalho distintos daqueles anteriores atai fenômeno. É uma parte desse mundo e desses significados que vamos analisar. A palavra profissão será usada como uma forma de denominar o trabalho valorizado pela titulação superior. Embora alguns enfoques optem por identificar os intelectuais como integrantes de um mundo à parte, o entrosamento entre universidade e mercado acontece. Na verdade, mais que propor a análise das ciências sociais como uma profissão, a abordagem que desenvolvo quer resgatar a maneira como elas vêm desempenhando seu trabalho no sistema profissional.

Pode ser que a inserção aqui proposta represente uma grande perda para aquela ciência social que se construiu com base em uma imagem distintiva e cobiçada de sua atividade intelectual. Nesse sistema profissional, competindo e sofrendo a competição com outras profissões, as ciências sociais como um todo podem acabar se revelando uma profissão fraca. Mas é possível que o quadro que se desenhe não tenha essa característica maniqueísta. Ao contrário, o que pretendo demonstrar é que esse modelo apreende melhor a lógica da profissão, tanto na sua relação com o mundo do trabalho a sua volta quanto com seus segmentos internos.

As ciências sociais, como qualquer outra profissão, enfrentam competição direta com seus "vizinhos". Em termos concretos, disputam-se objetos de estudo, vagas no mercado, formas específicas de abordar realidades que qualificam mais a profissionais de uma área que de outra. Disputa-se também a regulamentação que determine o monopólio do exercício das atividades profissionais. Alguns exemplos dessas disputas na área das ciências sociais são: as tentativas de regular o desempenho da atividade de pesquisa, promovida pelo sindicato, procurando bloquear o ingresso de profissionais de outras formações; o exercício da atividade de jornalista, cujo veto aos que não possuem o diploma é confirmado pela última Constituição, como é o caso de vários formados em ciências sociais; as competições com estatísticos, administradores e psicólogos nas atividades de pesquisa de mercado; os embates com os advogados e com os economistas em atividades de cunho mais político, como as assessorias a órgãos públicos, com a disputa entre os enfoques que priorizam os aspectos sociais e os que enfatizam as questões técnicas e jurisdicionais; os conflitos com os assistentes sociais nas atividades voltadas para a intervenção social. A esses tipos de relação denominaremos competição interprofissional.

Já as diferenças de visão e interesse entre os sociólogos que trabalham na pesquisa de mercado, mídia e opinião, e os professores universitários, bem como os atritos entre os profissionais da área de planejamento urbano e os de intervenção social, por exemplo, serão denominados de competição intraprofissional.(2)

A atividade do trabalho é analisada neste modelo integrando uma perspectiva micro com uma macro. Ela nos permite visualizar melhor as diferenças e as semelhanças das ciências sociais com outras profissões. E também dimensiona o que há de específico nas ciências sociais brasileiras e o que há de comum com essa profissão em outros países.

Assim, além de este modelo contrapor-se às visões que isolam umas profissões de outras, buscando explicações apenas no interior de cada uma delas, permite também ultrapassar dois outros diagnósticos que circulam no Brasil sobre as ciências sociais: aquele que localiza a crise no âmbito das ciências sociais brasileiras e aquele que ignora as especificidades do sistema profissional e identifica-o com as crises econômicas do país.

Apesar das diferenças na estrutura sócio-econômica dos Estados Unidos e do Brasil, há grandes semelhanças entre a situação da sociologia no mercado de trabalho americano e brasileiro.(3) A diferença só salta aos olhos se descontextualizarmos a profissão do cenário onde ela está inserida. Vista do Brasil, a sociologia nos Estados Unidos pode parecer bastante privilegiada. Já vista no quadro do trabalho profissional americano, o que sobressai é a proximidade com a posição desfavorável vivida no Brasil.

Há diferenças na história de cada uma, na forma como surgiram e como foram desempenhadas em cada país, na morfologia dos seus grupos profissionais, nos espaços que conquistaram ou perderam, como se organizaram, que tipo de relacionamento mantiveram com o Estado. Essas características são levadas em conta quando focalizadas pela perspectiva microssociológica. Entretanto, o trabalho que desempenham não pode ser enfocado sem ser inserido numa dimensão macro do sistema das profissões superiores. Com isso, reforço a abordagem que busca compreender o fenômeno profissional por meio de uma lógica própria e inerente a esse sistema. O conhecimento especializado da sociologia já acumulou o suficiente para não precisarmos mais recorrer aos mesmos e ultrapassados subterfúgios explicativos que com freqüência surgem aqui e ali.

Em 1976, a imprensa brasileira voltou a editar matérias contando a história das desventuras profissionais da classe média que investiu na sua formação escolar. Tal tipo de reportagem já era uma tradição na mídia, que refletia as insatisfações dos segmentos de escolarização mais alta. No Império brasileiro já se registravam reclamações com tais características. Como conseqüência do boom universitário, que se iniciou no final dos anos 60, o número 417 da revista Veja retomou essa linha editorial com a publicação da reportagem "E depois da faculdade? Universitários sem emprego". Freqüentemente o tema volta à baila nos meios de comunicação. Tem aparecido sempre vinculado ao da crise econômica brasileira. É como se fosse um de seus sintomas palpáveis. Esse recurso, compreensível nas características da atividade da imprensa, perde significado nas atribuições da sociologia. São trabalhos diferentes.

Também já não é sem tempo que busquemos compreender o fenômeno profissional em si como um sistema que possui um grau de autonomia e uma lógica própria. Que a crise econômica afeta essa e muitas outras áreas da vida em sociedade é novidade. Mas constatar isso não basta ao trabalho da sociologia. Ela possui os recursos para demonstrar como funciona o sistema das profissões e colaborar para que a questão possa vir a ser pautada pela imprensa de uma nova forma, saindo do círculo vicioso de reavivar as matérias sobre crise econômica utilizando as insatisfações no campo profissional.

Se esse mesmo argumento evidencia como é equivocada a interpretação que localiza e delimita "o problema" das profissões superiores no âmbito das dificuldades nacionais, também descarta a explicação mais singela da crise nas ciências sociais brasileiras.

Por último, a abordagem aqui adotada dá transparência aos limites das visões que diagnosticam um mau funcionamento das ciências sociais. O que realmente funciona mal são os modelos que propõem a análise de uma profissão fora de seu contexto, isolada do mundo em que trabalha e se defronta com seus competidores. Ao contrário do que apontam outras propostas analíticas, ao enfocarmos as ciências sociais inseridas na lógica do sistema das profissões, elas revelam sua capacidade de interação, de movimento e de mudança.

Em resumo, contraponho-me a dois diagnósticos sobre a situação das ciências sociais e a duas formas de abordar o problema. Meu argumento é que os diagnósticos são limitados porque recorrem a perspectivas analíticas limitadas. Na essência desses diagnósticos tem-se a visão de que há uma crise ou na profissão ou no país. A razão desse equívoco é que ele parte de modelos que olham as ciências sociais de uma forma micro ou de uma forma macro, sem articular as duas dimensões analíticas. A articulação desses dois âmbitos de visão é a contribuição mais relevante introduzida pelo enfoque do sistema das profissões.

Pode ser que alguns identifiquem a noção de sistema com imagens de um funcionalismo harmonioso, onde as estruturas se reproduzem em vez de mudar. Essa é uma interpretação possível, mas retórica. Argumentar que as ciências sociais não podem ser entendidas como uma profissão, ou que suas características intelectuais as diferenciam de outras atividades é, de fato, a imposição de uma harmonia inexistente, por meio do não-enfrentamento analítico do conflito e da competição operantes no mundo do trabalho profissional. Intencionalmente ou não, o conhecimento acumulado mediante essas abordagens pode servir de escudo protetor para a imagem que gostamos de ter do nosso trabalho profissional.

A ASESP - Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (4)

Geralmente, as profissões contam com estruturas de representação dos interesses de seus membros. Possuem sindicatos ou associações da categoria. Essas entidades conseguem acompanhar mais de perto o dia-a-dia da profissão no mercado, tornando-o menos desconhecido. As associações têm uma visão da situação ocupacional de sua clientela e extraem daí suas políticas de ação.

Para as ciências sociais tais informações não se encontravam disponíveis organizadamente. Uma estrutura nacional de representação da categoria ainda estava em vias de ser criada quando iniciei meu trabalho de campo, em 1990.(5) De todos os dados sobre filiação às Associações Estaduais de Sociólogos que reuni, considero que apenas os de São Paulo têm a amplitude necessária a um estudo sobre mercado de trabalho e diferenciação ocupacional.(6)

Assim, vi meu escopo nacional reduzido ao mercado paulista. Esses, em si, são dados significativos sobre a situação profissional, o mercado de trabalho e as estruturas de representação dos cientistas sociais no Brasil. Tal quadro favorece a aparência de que impera o caos no universo da profissão no país. Um primeiro olhar para o conjunto dos 1988 sócios da ASESP fortalece esse senso comum entre os sociólogos. A diversidade de ocupações em outras áreas e a quantidade de sócios sem emprego chamaras a atenção. Os dados a seguir têm por objetivo detalhar o perfil que provoca tal diagnóstico negativo. Entretanto, ao analisá-lo sob a ótica apresentada acima, é possível captar a lógica e o sentido que dão transparência à forma como as ciências sociais se inserem no mundo profissional.

Os dados abaixo nos permitem visualizar qual o perfil do sociólogo filiado à ASESP. Essa é a informação mais ampla que possuímos sobre tal categoria no país. O padrão é uma mulher socióloga (67,7% dos sócios), numa faixa etária intermediária (35-44 anos em 1990) (Gráfico 1), que migrou de sua cidade natal. Estudou principalmente em faculdade pública, concluindo-a nos anos 70, década em que também se filiou à associação. Quando trabalha, ela o faz em um órgão público; que geralmente é do ramo dos estabelecimentos de ensino superior, de ensino de primeiro e de segundo graus ou da administração pública direta. A ausência de ocupação caracteriza-a. As que têm emprego atuam como professoras universitárias, primárias ou secundárias, como sociólogas ou como assistentes, analistas e técnicas.









Se esse é o padrão mais encontrado - os valores modais obtidos na amostra -, qualificá-lo nos permite aprofundar o olhar sobre a categoria e identificar algumas das mudanças que estão se processando no mercado de trabalho.

A ASESP não tem conseguido atrair tantos filiados como na década de 70 e primeira metade da de 80, mas essa queda na motivação associativa não é uma característica exclusiva nem dos sociólogos nem do Brasil. Houve também um aumento na concorrência por sócios, com a criação de novas entidades nesse período. O Sindicato dos Sociólogos, por exemplo, que funciona no mesmo prédio da ASESP, foi fundado em 1986. Em 1990, contava com 697 membros, dos quais 268 eram filiados a ambas as organizações e 429 só faziam parte do quadro do sindicato. A Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado (SBPM) - outra associação que congrega sociólogos que trabalham na área de pesquisa de mercado, mídia e opinião - foi fundada em 1981 e, em 1990, reunia cerca de setecentos profissionais, sendo que quase 30% deles eram formados em ciências sociais.

Mais da metade dos sociólogos filiados à ASESP fizeram algum tipo de mobilidade geográfica, migrando do local onde nasceram para São Paulo.(7) Vindos do Norte-Nordeste há 129 sócios (6,5%), do Rio de Janeiro e Minas Gerais há 141 (7,1 %), dos demais estados temos 98 filiados (5,0%) e nascidos no exterior encontramos 105 (5,3%). A parcela de associados que nasceu no interior de São Paulo.é de 639 sociólogos (32,2%).







Quanto às faculdades freqüentadas pelos membros da ASESP, estabelecemos a seguinte classificação: 1) universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp), com 40,2% da amostra; 2) PUC-SP, FESP, PUCCamp e universidades católicas de outros estados, com 35,0%; 3) faculdades municipais oficiais, com 5,6%; 4) todas as universidades federais e as universidades estaduais de outros estados, com 4,5%; 5) demais faculdades e universidades privadas, com 12,1 %; 6) graduação no exterior, com 1,1 % e 7) formação universitária fora da área de ciências sociais, com 1,2%.

Excluindo os que não se formaram em ciências sociais, os que estudaram no exterior e os de que não temos informação, temos uma distribuição entre o ensino superior público e o privado da seguinte ordem: 52% dos membros da ASESP freqüentaram faculdades públicas e 48 % vieram de escolas particulares.

A geração que concluiu o curso na década de 70 compõe a ampla maioria da ASESP, com 58,5% (Gráfico 3). O refluxo nos índices de filiação dos novos contingentes de formados é evidente. A ASESP, que foi criada em 1970, atraiu prioritariamente os sociólogos que se formaram entre 1971 e 1975, mesmo que estes tenham se filiado em períodos posteriores (Gráfico 2). A entidade vincula-se fortemente ao projeto profissional e participativo dessa geração, dando-lhe uma fisionomia.

O período de auge associativo coincidiu com o momento de expansão do sistema universitário, quando as contratações para o corpo docente estavam a pleno vapor. Foi também um momento de expansão das áreas de atuação profissional no mercado de trabalho, impulsionada pelo "milagre" econômico brasileiro. O impacto das mudanças comportamentais no final dos anos 60 encontrou um campo fértil de exercício profissional e de valorização do conhecimento especializado das ciências sociais. A estratégia de atuação da categoria no mercado reflete a sua opção pelos mecanismos de associação e aliança. As poucas áreas que os sociólogos ocupavam e o pequeno contingente profissional até então inviabilizavam estratégias voltadas para reivindicar o domínio de mercados e tentar conquistar monopólios de atuação.(8) A ASESP tinha também um projeto de participação política e social característico da geração que liderou sua expansão buscando a adesão de novos sócios. Detecta-se, nessa geração, sentimentos de constrangimento diante da possibilidade de não tomar parte no projeto coletivo de fortalecer a entidade. Esses sentimentos não são mais observados na geração subseqüente, o que fortalece a caracterização da ASESP como um projeto geracional, tanto da perspectiva profissional quanto política. A análise das mudanças no mercado de trabalho ajudam a compreender a substituição desse padrão associativo pelas novas formas organizacionais mais segmentadas.





No que se refere à atividade ocupacional, a distribuição dos membros da ASESP foi classificada segundo três critérios: 1) o setor de atividade, 2) o ramo/classe de atividade e 3) a ocupação. Dada a diversidade de denominações utilizadas pelos filiados da ASESP ao declararem suas ocupações, estabeleci 27 subgrupos ocupacionais (Tabela 2). A classificação tomou como base a estrutura da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações).(9) Na classificação dos ramos e classes de atividades estabeleci 36 subgrupos (Tabela1).(10)



Tabela 1

DISTRIBUIÇÃO DOS MEMBROS DA ASESP SEGUNDO OS RAMOS/CLASSES DE ATIVIDADES E O SEXO (N=1988)






Tabela 2

DISTRIBUIÇÃO DOS MEMBROS DA ASESP SEGUNDO OS SUBGRUPOS OCUPACIONAIS E O SEXO (N=1988)









Esse levantamento demonstra que o setor público é o maior empregador dos cientistas sociais no Brasil (Gráfico 4). Embora o ramo que reúna a maior freqüência seja o dos estabelecimentos de ensino, com 25,3 % dos filiados, e as ocupações de maior concentração sejam as de professor universitário (13,3%) e professor de primeiro e segundo graus (9,6%), é a diversificação que dá o tom na amostra. Até a década de 50, ser professor era a alternativa profissional quase exclusiva dos formados em ciências sociais. Hoje, a maioria deles desempenham atividades fora do universo docente.

As denominações ocupacionais ilustram dois fenômenos: as tarefas realizadas nas fronteiras e nos campos de outras profissões superiores, e o desempenho de atividades nas quais o título superior aparece como uma oferta de escolaridade maior do que a função poderia demandar. Mas todos possuíam alguma identidade como sociólogos, já que se filiaram à associação.

A primeira categoria, a dos profissionais em áreas de fronteira, é mais numerosa do que a segunda. Os filiados da ASESP que desempenham atividades que geram um desequilíbrio de status entre a titulação e a ocupação não chegam a 7% do total. Já os que disputam posições com outras profissões superiores são, pelo menos, 17%. Na situação inversa, em que os sociólogos sofrem a competição de outras profissões, vêm-se quase 20%. A única atividade encontrada na amostra que poderia sofrer, menos esse tipo de impacto é a de professor universitário. Nesse grupo há 13,3% dos filiados, mas aí também se registram pessoas que redirecionaram suas carreiras, sendo provenientes de outras formações das ciências humanas. Declaradamente sem ocupação eram 15% na amostra.(11)

Embora saibamos que um contingente expressivo dos formados em ciências sociais exerce atividades não vinculadas diretamente à qualificação obtida, desempenhando funções burocráticas e administrativas que, a princípio, não requerem a especialização adquirida com o diploma superior, esse não é o perfil dos sócios da ASESP. Como vimos acima, menos de 7% dos filiados encontram-se em posições que poderiam caracterizar um sobreinvestimento escolar.

Em entrevistas qualitativas que realizei com formados em cursos privados de ciências sociais que não se profissionalizaram na área, dedicando-se ou às tarefas da criação de filhos e da vida familiar ou exercendo atividades administrativas, principalmente em bancos, observei que esses informantes eram os que mais reconheciam a relevância do curso de ciências sociais nas suas vidas pessoais. No primeiro caso, o curso aparece como um qualificador na compreensão do mundo, na mudança da forma de perceber a vida, no desenvolvimento de uma visão crítica e globalizante da sociedade. No segundo, o curso viabilizou o acesso a um diploma superior, que permitiu promoções internas decorrentes não só do fato automático de possuir nível de terceiro grau, mas de ter também uma competência associada a uma visão generalista, diferenciada, sendo capaz de compreender os mecanismos que engendram a vida social e política.

O grau de insatisfação com o curso de ciências sociais e com o que essa experiência viabilizou nas suas trajetórias era bem menor que o detectado entre os que se profissionalizaram na área, principalmente entre aqueles que ocupavam as posições mais cobiçadas na hierarquia interna da profissão, como é o caso dos professores universitários. Para estes últimos, do ponto de vista objetivo, cursar ciências sociais fez mais diferença no destino profissional do que para os primeiros. Eles conseguiram reverter em profissionalização o investimento feito na escolaridade e ocupar uma das poucas posições disponíveis nesse segmento. Os professores universitários são 4,5% do estoque de profissionais de ciências sociais, mas é nessa posição que encontramos a geração que vai atuar na ASESP.

Apesar de a maioria dos formados em ciências sociais ter cursado escolas particulares, já que o sistema de ensino privado expandiu-se mais do que o público, são os sociólogos que freqüentaram as universidades públicas que predominam entre os membros da associação. O maior investimento na escolaridade, procurando ingressar nos melhores cursos, desencadeia descontentamentos maiores com o retorno obtido. A organização da entidade e seu projeto vinculam-se a um grau maior de insatisfação, canalizado para a defesa dos interesses profissionais e políticos.

Dos formados nas três escolas que escolhi para aprofundar a análise por meio de entrevistas qualitativas (USP, PUC-SP, FESP), (12) foi entre os da USP que registrei a maior insatisfação.

As estratégias de proteção profissional partiram daqueles que estavam nos segmentos das ciências sociais menos expostos às disputas do mercado de trabalho, alocados no setor público, em posições do topo da hierarquia da profissão. Outra diferença entre o conjunto da categoria e os sociólogos que lideraram esse segmento e essa estratégia associativista é que nessa posição os homens predominam. Também é entre eles que o grau de descontentamento é maior.

Mediante o cruzamento dos dados da ASESP obtemos uma visão mais qualificada de quem ocupa qual posição no mercado de trabalho. Assim, confirmamos que as mulheres, por serem o maior contingente de filiados (2/3 do total), são 58% do setor não governamental sem fins lucrativos, 61 % do privado, 70% do público e 79% dos que não têm trabalho. Entretanto, se analisarmos a distribuição relativa dos gêneros pelos setores, verificamos que os homens têm uma presença superior à das mulheres em todos eles, excluindo-se o setor público. Aí estão 51,7% das mulheres e 47,3% dos homens. Eles entram com 26% contra os 19% de mulheres no setor privado e com 15,5% do setor não governamental sem fins lucrativos contra 10,3% de mulheres. É principalmente sob a "proteção do Estado" que as mulheres conseguem manter alguma liderança.

Quanto aos ramos e classes de estabelecimentos onde as pessoas da amostra trabalham a situação é semelhante. Em números absolutos as mulheres são maioria em quase todos os subgrupos. Os homens só aparecem na frente nas organizações internacionais e representações estrangeiras, no governo federal direto e na defesa nacional e segurança pública.

Analisando a distribuição relativa dos sexos pelos ramos e classes de estabelecimentos verificamos que a liderança feminina cai de 32 subgrupos para cinco subgrupos, a saber: previdência social, governo estadual direto, governo municipal direto, governo estadual indireto e nos classificados como sem-trabalho (Tabela 1).

A liderança masculina se faz presente em quinze subgrupos: nos serviços industriais de utilidade pública, nas indústrias, nos bancos e instituições de crédito, no subgrupo de comunicações, nos estabelecimentos de ensino superior, nos serviços técnico-profissionais de engenharia e arquitetura, no subgrupo da assistência e beneficência dos serviços comunitários e sociais, nas instituições científicas e tecnológicas, no poder legislativo, no poder judiciário, no governo federal direto, no governo federal indireto, no governo municipal indireto, nas organizações internacionais e representações estrangeiras, e na defesa nacional e segurança pública.

Se para os tipos de estabelecimentos detectamos um comportamento diferente em relação aos sexos, quando analisamos a distribuição pelas ocupações verificamos que, apesar de os homens serem minoria na amostra (cerca de 1/3), eles conseguem liderar treze das 28 ocupações relacionadas. Estas são: empregador; diretores e chefes superiores na administração pública; administradores, diretores e gerentes de empresas; chefes intermediários e encarregados de seção de serviços administrativos; treinadores e instrutores; advogados e procuradores; jornalistas; ocupações da indústria de transfbrmação; vendedores e representantes comerciais; ocupações da defesa nacional e segurança pública; chefias intermediárias nas ciências sociais; professores universitários, e funções de contadores, economistas e técnicos de administração (Tabela 2).

Há, portanto, duas discriminações em relação ao gênero que interagem: a dos estabelecimentos e a da ocupação. Há uma incidência maior de homens em todos os setores não públicos. Eles lideram a distribuição relativa aos sexos nos ramos e classes de estabelecimentos-chaves para uma profissionalização nitidamente mais elitista. São maioria absoluta em ocupações bem posicionadas na hierarquia interna da profissão.

Há liderança feminina em sete ocupações, a saber: funções burocráticas e de escritório; ocupações auxiliares das ciências sociais; assistentes, analistas e técnicos em ciências sociais; sociólogos; ocupações semelhantes à de assistentes sociais e pedagogos; artistas e as ocupações afins, e sem-ocupação.

A análise de como as oportunidades de trabalho se diferenciam em função do gênero dá maior transparência à profissão. Não é novidade que há discriminação. Mas o fato de essas desigualdades observadas nos estabelecimentos encontrarem alguma reprodução nas ocupações evidencia uma discriminação implementada pelo conjunto de seus membros. É como se fizesse parte da profissão, entrosando a situação externa com a interna. A discriminação não é necessariamente uma determinação só do mercado. Pode ser vista também como a forma de a profissão preservar a atração de algum contingente masculino para seu corpo. A seleção profissional não é feita num mercado em abstrato. Há pares selecionando seus pares. São homens e mulheres escolhendo outros homens e mulheres para desempenho da profissão. Os professores aprovam seus novos colegas, os chefes de pesquisa recrutam suas equipes, os gerentes selecionam seu pessoal etc. No caso das posições voltadas para a gestão da profissão, há situações nas quais eles são inclusive eleitos, como nas entidades representativas.

As diferenças de comportamento em relação ao sexo masculino e feminino têm feito parte do funcionamento interno da profissão no sistema profissional. As ciências sociais entram nesse circuito com a característica de serem femininas, mas vendendo a imagem de uma seletividade posterior. Afinal, o contingente que se profissionaliza conta com uma sobre-representação da participação masculina, enquanto uma parcela expressiva das mulheres que se formam não ingressa na disputa pelo mercado. Há quem veja esse contingente como um exército de reserva na proletarização da profissão. As mulheres que entrevistei não se vêem assim. Elas são parte real da lógica de funcionamento das ciências sociais. Constituem uma audiência indispensável nas salas de aula, no consumo do que a profissão produz e na sua divulgação. Aumenta também o contingente apto ao mercado, dando maior poder à profissão nas competições interprofissionais, por recursos, campos de atuação, clientelas e regulamentações.

Uma diferença entre o perfil das ciências sociais no Brasil e o da sociologia nos Estados Unidos diz respeito à participação feminina na profissão. No Brasil, as ciências sociais se feminizam já no seu nascedouro, como decorrência da necessidade de garantir uma audiência para o curso recém-criado na USP. Dado o desinteresse da elite local pelo curso, freqüentando-o nos primeiros seis meses mas não retornando depois, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras estabeleceu um convênio com o Instituto de Educação, passando a contar com a demanda das normalistas, que ficavam dispensadas de lecionar e preservavam seus salários. (13)

Nos Estados Unidos, a feminização da profissão é bem mais tardia e se vincula à queda da procura dos cursos de sociologia por parte do contingente masculino. O montante de mulheres se mantém relativamente estável enquanto o número de homens inscritos declina nas décadas de 70 e 80. Em 1971-2, no momento de pico no número de titulações de bacharéis em ciências sociais, os homens eram 100.879 e as mulheres somavam 57.158. Em 1984-5, no momento de maior refluxo, eles eram 51.172. As mulheres haviam declinado bem menos, chegando a 40.289. O final da década mostra uma recuperação da área e da participação masculina (Conelli, 1993b).

Se a inclusão das normalistas no curso da USP foi uma estratégia de sobrevivência para as ciências sociais, de uma perspectiva profissional o resultado foi bem mais amplo. Ela representou um diferencial positivo para a participação feminina no mercado de trabalho. A proporção de mulheres ocupando posições no meio acadêmico brasileiro é superior à americana. Lá, as alunas da década de 80 representaram a manutenção de uma demanda que vinha caindo acentuadamente. Em ambas as situações, no Brasil ou nos Estados Unidos, a chegada feminina à profissão tem muito pouco de invasão. As evidências são de que elas ocuparam espaços vagos, devido ao desinteresse masculino pela área. Nas atividades profissionais nas quais os homens continuam tendo interesse, como é o caso do meio acadêmico, o ingresso feminino tem de enfrentar a barreira da segmentação.

Outro aspecto qualificador da situação dos profissionais no mercado de trabalho é a análise das diferenças etárias da amostra. Em primeiro lugar, constatamos que o setor público é o principal empregador para todas as faixas etárias (50,5% do total da amostra), seguido do setor privado (21,1 %) e do não governamental sem fins lucrativos (12,0%). Há 15% sem trabalho.

Em segundo lugar, verificamos que, quanto mais jovem é o profissional, maior é o peso relativo que tem entre os sem trabalho. Para os nascidos até 1945 a dimensão sem trabalho é a que aglutina o menor percentual de casos. Já para os nascidos entre 1946 e 1950, o número sem trabalho ultrapassa o setor não governamental sem fins lucrativos ocupando o terceiro lugar na classificação. Para as gerações nascidas a partir de 1956, a categoria sem emprego passa a ocupar a segunda posição ultrapassando também o setor privado.

Todas as formas associativas que têm objetivos protecionistas favorecem os mais antigos em detrimento dos mais jovens, os que chegaram primeiro em detrimento dos que vieram depois. As entidades profissionais se propõem a desenvolver laços comunitários e de identidade numa perspectiva de defesa da categoria. Pode-se tentar amenizar tal situação de dilema, em que impera a lógica da defesa dos mais antigos, embora com um discurso de incorporação de novas gerações e setores. O fato é que esse conflito, concretizado mediante a diversificação e o surgimento de novos interesses, é mais sentido do que a idéia da representação igualitária da categoria. As dificuldades em difundir o sentimento de categoria unitária residem no fato de ela, como as demais profissões, ser uma categoria não unitária. Podemos responsabilizar a mudança de valores da geração de 60-70 para a de 80-90 por esse comportamento. Mas a questão vai além. Essas estruturas criam dificuldades para os que estão chegando. Por mais que elas se apresentem falando em nome de todos, não conseguem representar a todos. Há interesses e identidades diferentes não só entre segmentos, mas também entre gerações. Observamos inclusive que estas se distribuem diferenciadamente entre os segmentos, mudando a morfologia da profissão.

O aumento na procura pelo Sindicato dos Sociólogos em detrimento da filiação à ASESP, a partir de 1986, reflete esse fato. E uma nova entidade, com um novo perfil de sociólogo organizando seus próprios interesses. Como mostram os dados abaixo, a mudança no perfil é perceptível também entre as gerações mais novas, que se sentiram motivadas a se filiar, tanto ao sindicato quanto à ASESP.

As diferenças nas posições ocupadas por essas gerações podem ser vistas no período de formatura. Ao cruzarmos os ramos e classes de estabelecimentos por período de titulação constatamos que os formados até 1975 lideram os seguintes subgrupos: indústrias; comunicações; ensino superior; publicidade, propaganda e pesquisa de mercado; governo estadual direto, e defesa nacional e segurança pública.

Para os formados a partir de 1976 os estabelecimentos que se expandiram como mercado dos sociólogos são: previdência social; serviços técnico-profissionais de engenharia e arquitetura; governo federal indireto; instituições filosóficas e culturais; governo estadual indireto; governo municipal indireto; serviços pessoais, de alimentação, de alojamento e de conservação; os serviços de transporte, e os serviços de administração de bens imóveis e valores mobiliários. Os sem trabalho também crescem a partir daí, atingindo seu ápice entre os formados em 1986-90.

As áreas que configuram o mercado de trabalho mais característico das ciências sociais, e que são as mais cobiçadas, concentram as pessoas da geração formada entre 1971 e 1975. A ASESP acaba de ser criada. A comparação desse contingente com os demais revela uma situação profissional extremamente favorável ao preenchimento de posições no campo estrito das ciências sociais. No período de 7680 os profissionais aumentam a disputa por campos de atuação com outras profissões.

A partir de 1981 esse processo se intensifica. Para nossa amostra, expandiram-se nesse período os seguintes subgrupos de estabelecimentos: serviços industriais de utilidade pública; comércio; serviços técnico-profissionais de assessoria, consultoria, pesquisa, análise é processamento de dados; serviços profissionais jurídicos e de contabilidade e auditoria; assistência e beneficência nos serviços comunitários e sociais; sindicatos e associações de classe; instituições científicas e tecnológicas, e governo municipal direto.

Para o último período (86-90), além dessa disputa por mercados diferentes, há um aumento da liderança nos subgrupos menos privilegiados da hierarquia profissional. Tais posições são: os sem emprego; os serviços médico-odontológicos e psicológicos; organizações internacionais e representações estrangeiras; os bancos e as instituições de crédito; os professores de primeiro e segundo graus; os professores de outros estabelecimentos de ensino paralelo; os serviços de pintura, desenho e decoração, e o poder judiciário. Excluindo as posições docentes, a maioria das ocupações nesses grupos estão ligadas às atividades burocráticas e administrativas.

Os estabelecimentos de ensino superior partem de uma posição em que aglutinam a maioria dos formados até 1965 e vão decaindo paulatinamente com o passar dos anos. Para o período de 71-75 eles já são ultrapassados pelo contingente classificado como sem trabalho, que segue crescendo até 1990.

Se ingressar nos estabelecimentos de ensino universitário era o caminho natural da profissionalização para as gerações de formados até 1970, a partir daí essa perspectiva foi se tornando cada vez mais distante. A diversificação do mercado de trabalho coincidiu com a necessidade de se buscar novas ocupações.

Procurando detectar a existência de relação entre o tipo de curso freqüentado pelo associado e a posição no mercado de trabalho, procedemos ao cruzamento dessas variáveis. Os egressos dos cursos de ciências sociais da PUC-SP, FESP e PUCCamp e das demais faculdades particulares lideram o setor privado e os sem trabalho. Os sócios que não cursaram as ciências sociais têm uma alta concentração no setor não governamental sem fins lucrativos. Os formados na USP, Unicamp e Unesp e os que estavam no exterior trabalham principalmente no setor público.

As ocupações lideradas pelos formados na USP, Unesp e Unicamp e pelas universidades federais são: diretores, chefes superiores, assessores de diretoria na administração pública; professores universitários; jornalistas e escritores; pesquisadores e pós-graduandos. As ocupações de analistas, assistentes e técnicos em ciências sociais, as de agrônomos e afins, e as de assistentes sociais apresentam maior concentração apenas para USP, Unesp e Unicamp.

Há liderança da PUC-SP, FESP, PUCCamp nos seguintes subgrupos: diretores, administradores e gerentes; chefes intermediários nos serviços administrativos; chefias intermediárias nas ciências sociais; sociólogos; treinadores e instrutores; advogados e procuradores; publicitários e relações-públicas, e sem ocupação.

Vê-se que nas ocupações ligadas à atividade docente ou acadêmica predominam os formados na USP, Unesp e Unicamp e nas universidades federais. Nas ocupações ligadas à atividade de gestão no setor privado sobressaio contingente deformados pela PUC-SP, FESP, PUCCamp. As demais faculdades privadas e as faculdades municipais apresentam liderança apenas em ocupações classificadas nas posições inferiores na hierarquia da área.

As redes de relacionamentos e de interações estabelecidas na preparação do profissional estruturam-se setorializadamente como a economia, conectando a formação na universidade pública principalmente ao mercado de trabalho público, e a formação nas escolas privadas ao setor privado do mercado.

Considerando que todos os associados filiaram-se. à ASESP entre 1971 e 1990, podemos ter uma noção da mudança no perfil ocupacional da amostra ao longo dessas duas décadas. O cruzamento da ocupação com os períodos de filiação revela que apenas os professores de primeiro e segundo graus expandiram-se constantemente entre 71-5 e 86-90. A motivação para se associar tem sido crescente nessa ocupação. Para as ocupações de professor universitário, sociólogo, jornalista, agrônomo e publicitário e relações-públicas o movimento detectado é o inverso. Registra-se um declínio constante na filiação desses profissionais entre 71-5 e 86-90. As ocupações que apresentam crescimento na década de 70 e começam a declinar no primeiro período da década de 80 são a maioria.

Portanto, se na década de 70, quando a associação foi criada, houve motivação para a filiação de sociólogos que se encontravam nas mais diversas ocupações, na década de 80 esse fenômeno é nitidamente mais acentuado entre os que estavam como professor de primeiro e segundo graus. Isso configura uma mudança no perfil da ASESP para o período mais recente, que não corresponde necessariamente à mesma situação encontrada no mercado de trabalho. O magistério tem um perfil profissional claramente definido, com um contingente ainda mais feminizado que o dos sociólogos. A maioria dos filiados da ASESP que atuam no magistério são do sexo masculino, o que pode indicar uma opção que os distingue da atividade mais feminina, priorizando a identidade como sociólogo.

Ao analisarmos o mercado de trabalho pela amostra segundo os setores de atividade, os tipos de estabelecimento e as funções desempenhadas, visualizamos a situação desse mercado de uma maneira mais global. Há diferenças na estrutura de cada um dos setores de atividade, embora os professores universitários em estabelecimento de ensino superior ocupem sempre a primeira posição na distribuição interna a todos os setores. Esse dado nos permite qualificar o tipo de ocupação para o qual o sócio da ASESP é recrutado, quando ingressa nos diferentes tipos de estabelecimento, em cada setor da economia.

Verificamos que no setor público o desempenho das funções afetas diretamente às ciências sociais encontram-se em número maior do que no setor privado e no não governamental sem fins lucrativos. As funções burocráticas e de escritório aparecem entre as dez primeiras ocupações com mais incidência de sócios, nestes dois últimos setores.

O espaço de atuação para as ciências sociais no mercado de trabalho está intimamente conectado ao Estado. Mas essa não é uma característica nacional. O perfil ocupacional dos sociólogos norte-americanos, que trabalham nos segmentos da prática sociológica - o que exclui a academia -, demonstra que eles também têm o setor público como principal empregador. Dos sócios da American Sociological Association (ASA) que trabalhavam nessas atividades e possuíam o título de MA (mestre), 45,8% estavam empregados nos governos federais, estaduais e locais. O setor não governamental absorvia 25,7%, o privado ficava com 18,6% e 9,7% trabalhavam por conta própria. Quando a titulação era mais elevada, como é o caso do Ph. D. (doutor), a participação do setor público na distribuição do emprego era menor. Tendo esse nível de escolaridade, 35,5% dos sócios da ASA trabalhavam em órgãos públicos.

As ocupações de assistente social e pedagogo e as de técnico em administração, economista e contador refletem o grau em que os sociólogos competem ativamente com atividades afetas a outras profissões. Eles ingressam nessas áreas recortando o trabalho pelo enfoque da profissão de sociólogo e disputam a função atribuindo-lhe uma conotação sociológica. Se, em maior ou menor grau, essas profissões "vizinhas" não possuem o controle e o monopólio do mercado, a visão sociológica conquista uma entrada e uma forma de olhar a atividade que acaba se incorporando ao seu universo profissional. Não se trata apenas de fazer o trabalho de outra profissão, mas de trazer a atividade para o campo da sociologia. É essa a característica da disputa. Ou se tem força para monopolizá-la, como é o caso da medicina, ou se tenta evitar que outros conquistem tal domínio, na lei ou, pelo menos, na prática.

Se encontramos sociólogos exercendo atividades relacionadas a outras profissões superiores, temos também a situação inversa. Registramos na nossa amostra 23 informantes (1,2%) que não possuem o curso de ciências sociais e atuam nessa área do mercado de trabalho. Há, entre eles, a ocupação de professor universitário, de chefia intermediária nas atividades técnicas de ciências sociais, de treinador e instrutor, e de autônomo free-lancer.

Conforme foi sugerido acima, o surgimento de novas entidades que agregam sociólogos em função de sua especialização no mercado de trabalho aponta a necessidade de defender interesses diversificados e competitivos. Uma dessas entidades é a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado.

A área de pesquisa de mercado ilustra a competição intra e interprofissional. São os cientistas sociais que mais contribuem com profissionais para os quadros da SBPM. Tal segmento da profissão participou da organização dessa entidade por identificar nela uma forma mais adequada de ver seus interesses representados. No âmbito da competição intraprofissional, essa geração de pesquisadores construiu seu canal organizacional.

Por meio da associação com profissionais de outras formações universitárias, a SBPM procura configurar um mercado seu, com um perfil de atividades que lhe seria inerente. Da mesma forma, essas atividades são recortadas diferenciadamente, em função do conhecimento especializado de cada uma dessas profissões superiores. Junto com os sociólogos atuam na SBPM administradores, psicólogos, profissionais de propaganda e marketing, de comunicação, economistas, estatísticos e matemáticos. Todos vão redesenhar a atividade que exercem no segmento da pesquisa de mercado, opinião e mídia imprimindo-lhe a ótica da sua formação. Disputam espaços e maneiras de enfocar o objeto conquistando, na prática, um mercado de trabalho. Aliam-se entre si contra competidores de outros segmentos que atuam, por exemplo, na criação das peças publicitárias ou na promoção de vendas. Aqui a estratégia é de reforçar a importância da pesquisa para o sucesso da propaganda. Os sociólogos que trabalham nesse segmento desenvolvem principalmente atividades de planejamento e análise, de atendimento a clientes, de pesquisa de campo, de tabulação e de recrutamento. Na realização cotidiana do trabalho, vivenciam a competição intra e interprofissional que estrutura o sistema abstrato das profissões.

Conclusões

Se o perfil acima não dissipa totalmente a aparência de caos na profissão, ao menos permite que comecemos a visualizar alguns aspectos da lógica que movimenta a área. Em primeiro lugar, para aqueles que identificam na feminização da atividade uma das razões do caos, os dados mostram que esse processo continua bastante sujeito à predominância masculina na maioria das ocupações. Os homens têm uma sobre-representação no mercado de trabalho que parece adequada a uma lógica interna, tanto feminina quanto masculina.

Em segundo lugar, a situação das associações referenda o argumento de que as entidades profissionais procuram construir a imagem de que defendem uma categoria unitária e comum, cuja existência prática é tão questionável quanto a capacidade de defendê-la igualitariamente. O dilema colocado às associações é que elas precisam conquistar novos sócios, ao mesmo tempo que priorizam os interesses dos sócios mais antigos. Crer numa categoria unitária aparentemente apazigua a contradição, mas o resultado prático não é tão eficaz. O número de filiações cai enquanto vão surgindo novas formas organizativas. Tal característica não é exclusiva nem dessas associações, nem da profissão, nem do país.

A ASA vivenciou uma queda no número de seus filiados no início dos anos 80, mas encerrou a década em fase de recuperação, o mesmo ocorrendo com os demais números afetos à sociologia americana. Em 1978, no seu ápice, ela possuía mais de 15 mil sócios e em junho de 1983 atingiu seu ponto mais baixo, sendo o total de sócios reduzido para menos de 11 mil. Em dezembro de 1990 esse número havia retornado para a casa dos 13 mil membros.

Achar algum equilíbrio para a balança desse dilema é o desafio cotidiano que as associações enfrentam. Mas é possível que essa situação seja diferente quando a filiação for quase um ato compulsório ou um pré-requisito para o exercício profissional, como acontece nos conselhos de medicina ou na Ordem dos Advogados. Esses casos demonstram como as duas profissões mais fortes do sistema profissional conseguem preservar-se nessa posição, articulando o monopólio do conhecimento com o controle do credenciamento para o exercício profissional e a proteção jurisdicional de seu mercado.

NOTAS

*. Esta pesquisa é parte de minha tese de doutorado "Identidade profissional e mercado de trabalho dos cientistas sociais", defendida no IFCH/Unicamp em maio de 1993. Contei com o apoio da FAPESP, do CNPq e da Fulbright Commission por meio dos respectivos programas de bolsas de doutoramento. Recebi também dotações para pesquisa provenientes dos recursos do INEP/MEC, do NPP/FGV e da Fundação Ford/Anpocs. Agradeço à ASESP a gentileza de colocar seu arquivo de dados à disposição deste estudo.

1. Uma discussão sobre as diferentes formas de se denominar tais trabalhadores, como profissionais, técnicos, experts, agentes da técnica e da disciplina, tecnocratas, intelectuais e intelligentsia, pode ser encontrada em Freidson, 1986.

2. A noção de competição interprofissional e intraprofissional dando corpo ao sistema das profissões foi extraída de Abbott, 1988.

3. Ver artigo de minha autoria em que desenvolvo o estudo do caso norte-americano (Bonelli, 19936).

4. A Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo contava com 1988 fichas de filiados em 1990. Os dados analisados aqui foram extraídos dessas fichas. Por falta de recursos não pude coletar os dados dos filiados ao Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo. Embora a entidade seja mais recente, contando com dados mais atualizados sobre seus membros, a quantidade total de sócios era bem menor que aquela reunida pela ASESP. Minha opção foi analisar a entidade que reunia o maior contingente de formados em ciências sociais.

5. Hoje já existe uma Federação dos Sociólogos, sediada no Pará.

6. Consegui coletar os dados sobre os filiados à APSERJ - Associação Profissional dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro. O número total de filiados à época da coleta (1990) era de 140 casos válidos, quantidade que considerei pouco representativa da categoria no Rio de Janeiro.

7. As informações disponíveis nas fichas não permitem afirmar o total de migrantes. Sabemos que é, pelo menos, de 56%. Nascidos na capital de São Paulo temos 12,3 % e nascidos em São Paulo, mas sem podermos especificar se na capital ou no interior, temos 21,8% dos filiados. Sobre 9,3% da amostra só sabemos que nasceram no Brasil e sobre a origem de 0,6% não temos nenhuma informação.

8. A Federação e os sindicatos dos jornalistas obtiveram uma vitória legal com essa estratégia de domínio e controle de mercado. Conseguiram incluir na Constituição de 1988 uma regulamentação aprovada em 1969 que estabelecia a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o desempenho profissional.

9. Essa classificação das ocupações foi extraída da RAIS (Relações Anuais de Informações Salariais) e é adotada pelo IBGE.

10. Para a estrutura dos ramos e classes de estabelecimentos baseamo-nos no critério adotado pelo IBGE. Assim, não foram classificados nos subgrupos da administração pública os estabelecimentos dos seguintes ramos: serviços médicos, serviços industriais de utilidade pública, bancos, previdência social, serviços de transportes e ensino. Para cada um deles há um subgrupo adequado a sua classificação. Além disso, o IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas - foi classificado no subgrupo das instituições cientificas e tecnológicas.

11. Agrupados como exercendo atividades geradoras de desequilíbrio de status estão os filiados que se encontram em ocupações de auxiliares, aqueles em funções de escritório, os professores de primeiro grau, entre outros. Nas atividades de fronteira classifiquei os que exercem funções com o nome de outra profissão, como economista, assistente social, geógrafo, matemático, administrador etc. As áreas das ciências sociais que sofrem a competição de outras profissões são as que constituem o núcleo central da área, como sociólogos, técnicos em pesquisa, pesquisadores, pós-graduandos etc.

12. A análise dessas entrevistas qualitativas é desenvolvida detalhadamente na segunda parte de minha tese de doutorado. Entrevistei 34 pessoas que se formaram nos anos de 72 e 82, na PUC-SP, USP e FESP (Fundação Escola de Sociologia e Política, antiga Escola Livre de Sociologia e Política - ELSP). Há um resumo dessa análise no paper "O mundo das ciências sociais: a interação entre o palco e a audiência da profissão", apresentado por mim no GT Educação e Sociedade, do XVII Encontro da Anpocs, em 1993.

13. Sobre a criação da FFCL, ver Limongi, 1989.

BIBLIOGRAFIA

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extraido de http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_25/rbcs25_11.htm em 12/03/2011 sd 23.17