segunda-feira, 28 de junho de 2010

GEORG SIMMEL: DINHEIRO, A SOLIDEZ DO EFÊMERO


Heinz Stecher
Uma brevíssima biografia
Nascido em 1858, na esquina da Leipziger com a Friedrichstrasse, num cruzamento de denso trânsito e em meio à propaganda neon, Simmel passou os primeiros anos de sua vida no coração vibrante de uma metrópoleem surgimento.1 O seu filho Hans lhe atribui as seguintes palavras: "o desenvolvimento de Berlim, de uma cidade grande para uma metrópole na virada do século 19, coincide com a fase de meu desenvolvimento pessoal mais nítido e abrangente" (Frisby, P.1984:35).
Georg Simmel nasceu como o primeiro de sete filhos de Eduard Simmel e Flora Bodstein, que depois de casados se mudaram de Breslau para Berlim, onde Eduard Simmel fundou uma fábrica de chocolates. Eduard era judeu, mas nos anos 30 se converteu ao catolicismo. Georg Simmel viveu em Berlim, onde se casou em 1890 com Gertrud Kinel, autora de alguns livros filosóficos sob o pseudônimo de "Maria Louise Enckendorf".
Em termos formais, a vida profissional de Simmel não foi bem sucedida. Em 1881 ele tentou o doutorado com um trabalho sobre "Estudos psico-etnológicos sobre as raízes da música" e foi reprovado. Tanto o tema quanto o seu estilo não foram bem recebidos e um dos avaliadores julgou o trabalho "de caráter demasiado aforístico para ser uma pesquisa científica" (Jung, 1990, p.14). Finalmente, Simmel conseguiu a aprovação para o doutorado com o trabalho "A natureza da matéria segundo a monadologia física de Kant" pela Universidade de Berlim. Quando fez o pós-doutorado, Simmel também teve que enfrentar problemas. Sua dissertação sobre a teoria kantiana do espaço e tempo foi aprovada, mas Simmel provocou um escândalo no momento da sua defesa quando colocou-se em oposição a um Doutorando em Filosofia e Ciêncis Sociais pela Universidade Livre de Berlim. Como fonte para as informações biográficas nos baseamos em Jung,1990. dos seus avaliadores. Ele rejeitou a teoria de Zeller que sustentou a localização da alma humana na meninge (Jung, 1990, p.14).
Apesar do sucesso como docente na Universidade de Berlim e de sua ampla atividade publicitária, incluindo diversas traduções do francês e inglês, Simmel não logrou a estabilidade de emprego nem o cargo de professor titular. Segundo Dahme (1993, p.49), Wilhelm Dilthey, primeiro professor titular da faculdade de filosofia daquela universidade, teve um importante papel neste episódio. Para Dilthey, a sociologia cheirava a socialismo e um dos nomes mais destacados desta nova disciplina era o de Simmel. Um outro acadêmico, o historiador berlinense Schäfer, fez uma avaliação de Simmel,quando este último participou num concurso para professor de filosofia daUniversidade de Heidelberg, nos seguintes termos: "Ele fala muito espaçado, as palavras saem como gotas. Ele oferece pouco conteúdo mas bempreparado e arredondado. Isto é bem recebido em determinados e, por vezes, numerosos grupos aqui em Berlim. As suas palestras são assistidas por um, mesmo para Berlim, grande contingente de mulheres. Além disso, o público oriental, os aqui residentes e os que chegam a cada semestre como os novos estudantes dos países orientais, representam um outro grupo muito grande chegado a Simmel. A maneira dele se assimila ao gosto deste público. Não se leva muita coisa positiva de suas palestras, mas um ou outro estímulo, uma ou outra provocação e um prazer intelectual transitório, sempre são bem vindos" (cit. conforme Jung, 1990, p.15-16). Schäfer encerra o seu "laudo" com a recomendação de que não seja oferecida ainda mais espaço a visão de mundo defendida por Simmel e contrária à "nossa formação clássica-cristã" , além do que este espírito já tem na universidade (Jung, 1990, p.15-16).
Preconceitos religiosos, raciais e de género, tanto quanto o fantasma do socialismo que espanta o sistema universitário prussiano, contribuem para que somente em 1914, na idade avançada de 56 anos, Simmel seja chamado a ocupar uma cadeira de professor titular na Universidade de Strassburg. "Daqui nada de especial, a universidade deserta..." escreve ele em 1915 para Rickert, manifestando o seu isolamento intelectual naquele lugar periférico de Strassburg (Jung, 1990, p.21). Em 1918 Simmel morre de câncer no fígado.
Um dos primeiros biógrafos de Simmel divide a sua obra em 3 fases.
A primeira, influenciada pelo pragmatismo (Spencer) e a teoria da evolução; uma fase intermediária, da "Filosofia do Dinheiro" (1900), com fortes referências em Kant e um Simmel muito atraído pela sociologia; e finalmente, uma terceira, da filosofia da vida e de um protagonista entregue a uma nova metafísica (Jung, 1990, p.23). Esta periodização grosseira é perpassada por experiências de vida, enfoques temáticos e metodológicos muito particulares.
A experiência da vida urbana, com seu ritmo acelerado principalmente na virada do século, é fundamental para a sua obra.
A cidade
O nome de Georg Simmel está associado primeiramente à sociologia urbana. Com toda a razão! A cidade, e num sentido mais exato, a capital do Reich na virada do século, Berlim, foi o ambiente do qual emergiu G. Simmel.
Esta cidade foi, ao mesmo tempo, a forma concreta da modernidade, que provocou e estimulou o seu pensamento. A cidade grande era, para Simmel, a essência da vida moderna, o lugar do transitório, do fugitivo, do efêmero, um lugar dinâmico, no qual se vivia mais, porque se vivia mais rápido. Ao mesmo tempo, a cidade grande é o espaço onde a luta de resistência do indivíduo (ou seja, da vida) contra a sociedade ganha os seus mais claros contornos: no subjetivismo exagerado, no distanciamento um dos outros e no medo do contato com o outro, na tentativa de se destacar e se fazer notar, no esnobismo. É o lugar do neurastênico! O estímulo permanente torna-se remédio contra a total indiferença. A sede por diversões torna-se cada vez mais insaciável. "A carência espiritual por algo definitivo leva as pessoas a procurarem sempre em novos estímulos, sensações, atividades superficiais, uma satisfação momentânea. Mas, com isto, nos envolvemos cada vez mais numa agitação sem fim, que se manifesta ora no tumulto da metrópole, ora como mania por viagens, ou na corrida desesperada pela concorrência.
Revela-se, em outros momentos, como a específica infidelidade moderna nos campos do gosto, do estilo, da postura intelectual, nas relações conjugais" (Simmel, 1989, p.551). Com tudo isso, Simmel não vê a cidade "como fato espacial com efeitos sociológicos, mas como fato sociológico, que se formou espacialmente" (Simmel, 1903b, cit. em Frisby, 1984, p.41-42). A vida da cidade se baseia na economia do dinheiro. Convém destacar, neste contexto, que os estudiosos de Simmel entendem o seu artigo de 1903 "As Cidades Grandes e a Vida Espiritual" (Simmel, 1903a) como resumo da parte sintética de uma de suas obras primas, a "Filosofia do Dinheiro".
A economia do dinheiro
O dinheiro ocupa na obra de G. Simmel um lugar de destaque. Para ele, não é o capitalismo mas a economia do dinheiro que determina as relações sociais na sociedade moderna. Simmel separa o novo do velho a partir do dinheiro. Tönnies o faz contrapondo os conceitos de comunidade e sociedade. Durkheim distingue a solidariedade orgânica da mecânica e Weber diferencia as sociedades tradicionais das que se baseiam no racionalismo ocidental moderno.
Se, nas suas formas diversas, o dinheiro foi historicamente limitado e encaixado nas instituições religiosas e sociais, ele tende, na moderna economia do dinheiro, a dissolver as instituições tradicionais e as relações sociais e a movimentar os indivíduos.
"Quando entendemos, de forma geral, por liberdade o não-depender da vontade dos outros, então esta liberdade começa com a independência da vontade de "determinados" outros. Não-dependente é o colono isolado das selvas germânicas e americanas; independente, no sentido positivo da palavra, está o homem moderno da cidade grande, que, sem dúvida, precisa de um sem número de fornecedores, trabalhadores e colaboradores sem os quais não conseguiria sobreviver, mas que se relaciona com eles numa forma absolutamente objetiva e exclusivamente mediada pelo dinheiro" (Simmel, 1989, p.400). Neste contexto, a relação monetária conecta estreitamente o indivíduo com o grupo como um todo abstraio, mas coloca-o na mesma dimensão dos objetos, dissolvendo-o como personalidade própria (Simmel, 1989, p.393f.). Quer dizer, o dinheiro relaciona os indivíduos entre si, suprimindo ao mesmo tempo seu específico, sua personalidade. O dinheiro separa o lado econômico da personalidade integral. "Neste sentido, entendemos o efeito do dinheiro como atomizador, como um processo individualizador por dentro da personalidade (humana). Assim, a tendência global da sociedade extrapola para dentro do indivíduo..." (Simmel, 1989, p.462). Em sociedades pré-monetárias, o indivíduo depende diretamente do seu grupo. Agora, ele "carrega consigo o direito ao apoio e aos serviços dos outros, de forma condensada, como potencial", em dinheiro (Simmel, 1989, p.463).
Dinheiro - objetivismo e relativismo
O dinheiro cria entre sujeitos e objetos uma "desconexão objetiva" e na relação inter subjetiva, uma "desconexão pessoal". Em ambos os casos, uma nova relação se reconstrói a partir dele. Para Simmel, associações tornamse, no âmbito da economia do dinheiro, meras associações instrumentais, motivadas pelo interesse do lucro, quando estas mesmas associações antigamente atendiam a interesses múltiplos: econômicos, religiosos, políticos e familiares (Simmel, 1989, p.464ss.).
O pensamento humano se transforma na medida do avanço da economia do dinheiro: passa do singular para o universal, do qualitativo para o quantitativo, do substancial para o relativo (Simmel. 1989, p.171-172).
"Uma hipótese sustenta que o dinheiro preparou, para não dizer determinou, o pensamento cientifico, na medida em que permitiu uma visão estritamente formal das coisas e demostrou que objetos diversos poderiam ser comparados e medidos a partir de diferentes ângulos, abstraindo totalmente do seu conteúdo e de suas particularidades" (Boudon, 1993, p.134-135).
Segundo Simmel, o dinheiro instala o nominalismo. "Enquanto o dinheiro oferece um modelo concreto da realidade, cuja essência é meramente 'relacional', ele facilitou de fato a passagem do substancialismo para o relativismo e o nominalismo, tão caraterísticos da modernidade" (Boudon, 1993, p. 137).
A troca é uma ação recíproca que constitui a sociedade. O dinheiro surge a partir da troca, e é, como considera Frankel, de suma importância que este contexto inclua o fator subjetivo, a avaliação individual (Frankel, 1972, p.24). A teoria subjetiva de valor de Simmel inspirou-se na escola vienense da teoria marginal, principalmente em C. Menger. Segundo ele, a economia se fundamenta na troca e não na produção. Valor e troca estão numa relação recíproca e a economia é um caso particular da forma virtualuniversal da troca. A troca é fonte de valor econômico (veja Frisby, 1984, p.52). Esta visão se contrapõe â do marxismo, que define todo valor a partir da produção. "Precisamos ter clareza que a maioria das relações interpessoais podem ser vistas como relações de troca. Assim, são, ao mesmo tempo, formas de pura e eminente ação recíproca, que constituem em si a vida humana..." (Simmel, 1989, p.59).
De meio a fim - o dinheiro onipotente
O papel do dinheiro neste processo recíproco é o papel de mediador. Dinheiro toma-se, por definição, o meio obrigatório para o estabelecimento de um sistema de produção e de sociedade baseado na divisão do trabalho. À medida em que penetra, como meio, todas as esferas da vida, mediando nas "cadeias teleológicas crescentes" para conciliar os fins, ele eleva-se para ser o meio dos meios. A cadeia de meios que leva a um fim toma-se, numa sociedade complexa de ampla divisão de trabalho, cada vez mais longa. Com isto, surge uma visão abstraía de fim e meio e a pergunta sobre o fim final emerge cada vez com mais força perante "a dispersão e o caráter fragmentar da cultura" (Simmel, 1989, p.489-490).
"O importante, entretanto, é que o dinheiro é percebido em toda parte como fim e, com isso, muitas coisas que têm o seu fim em si mesmos são rebaixados a simples meios. Ao mesmo tempo que o dinheiro, por definição, é o meio, os conteúdos da existência se colocam num profundo contexto teleológíco sem começo e sem fim" (Simmel, 1989, p.593).
O dinheiro é um objeto transigente, mas, por ser totalmente vazio, apenas um símbolo, toma-se, ao mesmo tempo, o objeto mais inflexível. Em comparação com outros objetos sobre os quais o ego se estende – toma posse -, o dinheiro pertence de corpo e alma ao indivíduo; não lhe oferecendo a resistência existente nos demais objetos, porque nem corpo nem alma tem:
"na medida em que ele, sem restrições, nos pertence, nada mais podemos extrair dele" (Simmel, 1989, p.437).


Movimento e tempo
O dinheiro tem na distância a sua analogia espacial e no tempo a sua temporal. A vida original (primitiva) está marcada pelo ritmo e pela periodicidade: cópula, ciclo agrícola, etc. O ritmo é o primeiro elemento na música primitiva. A partir do momento em que se pode comprar tudo e a qualquer momento com dinheiro, o indivíduo se libera do ritmo. Os elementos de recorrência e diferenciação que estão presentes no ritmo se dissociam. Ao mesmo tempo, o dinheiro influencia o ritmo da vida: "Quanto mais profundas forem as diferenças do conteúdo da imaginação – mesmo considerando uma mesma quantidade de idéias - numa unidade de tempo, mais se vive, mais se avança no eixo da vida. O que sentimos como tempo de vida é o produto entre soma e profundidade de suas mudanças" (Simmel, 1989, p.696).
Por um lado, o dinheiro provoca constantes mudanças nas propriedades particulares. Por outro lado, a inflação acelera a velocidade destas mudanças. Como os preços e bens são atingidos de forma diferenciada pela inflação, ela exerce um efeito particularamente "estimulante" sobre os sujeitos econômicos. "A desproporcionalidade no aumento dos preços leva a que determinados grupos de pessoas e profissões sejam especialmente beneficiados e outros prejudicados. Em tempos históricos isso acontecia com os camponeses. No final do século 17, o camponês inglês, sem conhecimentos e sem meios, como ele era, foi literalmente espremido, entre as pessoas que lhe deviam e o pagavam apenas o valor nominal, e as que ele devia dinheiro e o exigiam a peso de ouro" (Simmel, 1989, p.702).
Pelo fato do dinheiro só realizar sua função através do ato de ser repassado, ele é o símbolo mais autêntico do caráter absolutamente transitório do mundo moderno. O tempo torna-se um bem caro. O símbolo mais preciso da relação entre tempo e dinheiro é a bolsa de valores: "Esta dupla condensação - dos valores em forma de dinheiro e do trânsito monetário em forma de bolsa de valores - possibilita que os valores passem, num tempo mínimo, pelo maior número de mãos" (Simmel, 1989, p.707). A bolsa é, constitucionalmente falando, ao mesmo tempo o lugar de maior agitação econômica. Dinheiro é "actus purus", contraponto e negação de qualquer qualidade intrínseca dos objetos.
Aspectos metodológicos
W. Benjamin caraterizou Simmel, em um artigo para uma enciclopédia sobre filósofos judeus, da seguinte forma: "A sua dialética característica está a serviço da filosofia da vida. Ela procura um impressionismo psicológico, que, adversário de sistemas, se dedica à compreensão profunda de manifestações e tendências espirituais particulares... A filosofia de Georg Simmel já antecipa a passagem de uma filosofia formai e catedrática para uma outra, poética e ensaística". Simmel dedica sua atenção a fenômenos particulares. "A totalidade não é ponto de partida, mas objeto da análise" (Frisby, 1984, p.22). Nas particularidades da vida procura-se a totalidade do seu sentido. "Neste contexto, segue-se a mesma metodologia que a arte, a qual - se colocando a cada hora um problema bem definido: o homem, a paisagem, um sentimento -, se contrapõe à filosofia, que sempre procura explicar a totalidade do ser" (Frisby, p.23).
Lukács, num artigo escrito em 1918 e recentemente publicado em português, evoca a Simmel como "o verdadeiro filósofo do impressionismo".
“ Todo impressionismo é, em sua essência, uma forma de transição e, a esse título, rejeita o fechamento, a modelagem final imposta pelo destino ou impondo-se a ele ..." (Lukács, 1993, p.203). Isto reverte na filosofia de
Simmel numa pluralidade das enunciações filosóficas que "é, para ele, o objetivo final e um fim em si, não o meio de dar à luz um sistema diversamente organizado, mas ainda assim unitário. Fez-se frequentemente de Simmel um relativista por causa dessa tendência pluralista, não sistemática, de seu pensamento. Erradamente, na minha opinião. Porque o sentido do relativismo está em pôr em dúvida a validez absoluta das possíveis enunciações particulares (por exemplo, da ciência ou da arte), e permanece, a esse título, totalmente independente da questão de saber se nossa imagem do mundo é monista ou pluralista. Simmel, ao contrário, prende-se ao caráter absoluto de cada enunciação, considera-as todas como necessárias e incondicionais, só que não crê que possa haver uma tomada de posição a priori diante do mundo que abraçasse realmente a totalidade da vida" (Lukács, 1993, p.205-206).
Simmel aplica a perspectiva estética como forma de percepção: "Quando pensamos na possibilidade deste aprofundamento estético, passa a não mais existir qualquer diferença no grau de beleza das coisas. A visão do mundo torna-se panteísmo estético - cada ponto contém o potencial para a salvação estética absoluta, de cada partícula brilha, para quem sabe ver, a beleza completa, o sentido vasto do mundo total" (Simmel, 1992, p.199). O pensamento de Simmel se desenvolve a partir de analogismos. Para captar e ressaltar as formas mais modernas da vida ele emprega um instrumental teórico dos tempos "metafísicos". M. Weber critica em Simmel este método analógico que confundiria e causaria a irritação dos seus colegas contemporâneos. De forma que "o economista conceituado joga o livro [A Filosofia do Dinheiro] com raiva pela janela, concluindo assim sua avaliação" (Weber citado em Nedelmann ,1988, p.16).2
Atrás desta crítica se esconde a consternação sobre o procedimento metodológico de Simmel que não é dedutivo-categorial mas indutivo e sensível para com os fenômenos da vida cotidiana. No mínimo surge, neste contexto, a suspeita do "esteticismo", e o próprio Weber o deixou bem claro, quando ressalta a forma brilhante do estilo de Simmel, sua sensibilidade, inspiração e originalidade, todos termos aplicáveis a um artista, mas muito problemáticos, no seu tempo, para um cientista (Nedelmann , 1988, p.17).
Para captar a realidade complexa que surge a partir da economia monetária, Simmel se apoia principalmente no conceito de ação recíproca. A compreensão teórica de Simmel tem como pressuposto que os "organismos sociais se constituem a partir da presença de forças ambivalentes ou dualísticas" (Nedelmann, 1984, p.92). Na ação recíproca destacam-se três componentes básicos:
- a relacionalidade;
- a contraditoriedade imanente;
- a circulariedade.
Como relacionalidade entende-se o estudo de objetos e indivíduos sob o ângulo da relação estabelecida entre eles. Neste sentido, ressalta-se as características relacionais dos fenômenos sociais e não as substanciais.
Numa comparação entre cidade grande e cidade pequena, Simmel define contextos diferentes para o desenvolvimento de ações recíprocas: "Enquanto a cidade pequena se caracteriza por um número reduzido de ações recíprocas demoradas e pouco intensivas, os indivíduos da cidade grande se confrontam com um número maior de ações recíprocas, rápidas mas intensivas" (Nedelmann, 1984, p.93). Para Simmel, os "processos moleculares primários da vida" (p.ex. o olhar das pessoas, o ciúme, a correspondência via cartas, o jantar entre amigos) são aqueles processos "que sustentam a elasticidade e a rigidez, a diversidade e a unidade desta vida social tão concreta e misteriosa" (Nedelmann, 1984, p.95). Por outro lado, surgem destes processos primários da vida as formas sociais e com elas a tensão entre vida e forma. A vida dos indivíduos depende, para realizar-se, das relações recíprocas, mas neste processo são criadas formas sociais que tendem a desenvolver uma autonomia, uma dinâmica própria. Surge uma contradição fundamental entre vida e organismos supra-individuais, quando os últimos se enrijecem e o único texto de Weber que faz referência explicita a Simmel foi primeiro publicado em Levine 1972 p. começam a conspirar contra os impulsos mais imediatos. Em outras palavras, a cultura objetiva, com suas instituições e objetos, começa a se sobrepor â cultura subjetiva. Mas isto, em princípio, não acontece de forma unidirecional.
O desenrolar da ação recíproca acontece, segundo Simmel, de forma circular. "Quando o efeito que um elemento exerce sobre um outro torna-se causa deste e, ao mesmo tempo, este segundo reflete de novo sobre o primeiro, que, por sua vez influenciado, torna-se de novo causa reflexiva sobre o outro, de forma que o jogo recomeça novamente, então encontramos neste esquema o real ilimitado da ação. A iminência do real que não tem limite se compara à figura do círculo" (Simmel, 1989, p. 120-121). Destacando este caráter circular do processo, Simmel se coloca em oposição ao pensamento linear de causa e efeito.
Ele tem em comum com outros sociólogos clássicos um pensamento estrutural voltado para antagonismos, dualismos e ambivalências. "Porém, comparado, por exemplo, com Max Weber, Karl Marx ou Emile Durkheim,
Simmel é visto dentre os sociólogos clássicos, como aquele cuja sensibilidade para com os dualismos e ambivalências imanentes é mais nítida e quem os explorou de forma mais consequente para a análise das relações sociais" (Nedelmann, 1984, p.97). Simmel avança para uma espécie de "pensamento empírico radical" (Nedelman, 1984, p.98), que nem sempre dissolve o antagonismo numa síntese. O seu pensamento se torna "dialética sem reconciliação" (Nedelman, 1984, p.98) com a intenção básica de "incorporar no espaço reflexivo, procedimentos e posturas conhecidos e experimentados na vida cotidiana, mas rejeitados no pensamento teórico.
Manter contradições, fugir de antinomias, suspender decisões, é tão necessário na vida cotidiana, quanto mal visto na teoria" (Ritter ,1976, p.16).

Alguns elementos para concluir
Quando Simmel se dedica a fenômenos particulares da vida moderna, ele consegue, ao mesmo tempo, retratar a complexidade da vida e situar os fenômenos particulares dentro de um pensamento processual (aberto) que evita as predeterminações. A partir do conceito da ação recíproca é possível captar os mais variados elementos da realidade, determinando assim os elementos moleculares e as suas formas relacionais. Com isso, ele vai além da análise das grandes formas como estado, família, igrejas, castas e classes, dando, ao mesmo tempo, vida a estas formas estruturais que constituem a sociedade unicamente na medida em que ficam intercalados com as formas relacionais primárias (Nedelmann, 1988, p.19). Conviver com contradições, não tomar determinadas decisões, demostrar como as ações se desenvolvem num processo recíproco, num vai e vem, destacar a circularidade, tudo isso faz parte de uma metodologia de abertura radical.
Assim, as formas empíricas da vida não estão sujeitas de antemão a categorias limitantes. Por isso, Simmel consegue, com grande sensibilidade, vislumbrar os fenômenos que surgem, no seu lugar preferido; na cidade grande, na passagem para a modernidade, como fenômenos de uma sociedade de massas.
Por fim, sua análise específica do dinheiro oferece inúmeros pontos de referência para ampliar e aprofundar conceitos como confiança monetária e inflação. Sua "Filosofia do Dinheiro" é uma obra chave para a compreensão da sociedade moderna de mercado, que surgiu da destruição das relações interpessoais e comunitárias características das sociedades agrárias e feudais. A modernidade se caracteriza por um sistema social novo mas igualmente consistente, mediado pelo dinheiro e de caráter objetivo que distancia os sujeitos entre si. O que interessa Simmel no dinheiro não são os aspectos econômico-monetários, mas o seu potencial de transformação cultural e social, mais concretamente o seu efeito sobre os indivíduos e a vida como um todo. Por isso ele afirmou, na abertura de sua "Filosofia do Dinheiro", que nenhuma linha daquela obra deveria ser tomada num sentido estritamente econômico (Simmel, 1989, p.11).
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